Renato Tardivo

O Lugar Mais Longe da Morte
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O Lugar Mais Longe da Morte

Por: Renato Tardivo* Museu da Infância Eterna, de Miguel Sanches Neto, reúne crônicas escritas entre 2003 e 2011. Como indica o título, o tema da infância, presentificado sobretudo nas memórias do cronista acerca de seus primeiros anos de vida e em sua experiência com os filhos, atravessa a coletânea. De início, chama atenção a confluência entre o aspecto datado que, via de regra, marca o formato da crônica e a mistura de tempos que, liricamente, desenha a infância. Talvez por isso, alguns textos passem por excelentes contos. Lembro-me de ter experimentado algo parecido lendo as crônicas semanais de Carlos Heitor…

Paradeiro: uma carta para Pedro
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Paradeiro: uma carta para Pedro

O escrito e psicanalista Renato Tardivo escreve uma “carta aberta” a Pedro, protagonista de Paradeiro, romance de Luís Bueno que recebeu o Prêmio Literário Biblioteca Nacional 2019 São Paulo, 26 de dezembro de 2019. Caro Pedro, Espero que me perdoe a intromissão. Não nos conhecemos; ou, para ser mais preciso, você não me conhece. Eu soube de eventos importantes da sua vida por meio do romance Paradeiro, escrito por Luís Bueno e do qual você, aos 23 anos, é um dos protagonistas. Presumo que você não tivera a oportunidade de ler o romance, levando em conta, inclusive, que ele seria…

O que Será?
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O que Será?

Renato Tardivo* Desenho Mágico – Poesia e Política em Chico Buarque, premiado ensaio de Adélia Bezerra de Meneses originalmente publicado em 1981, reflete com profundidade os primeiros quinze anos da obra do artista. Sua leitura hoje, quando Chico acaba de lançar o 38º álbum de estúdio, torna-se ainda mais interessante. Os desdobramentos de sua obra – ampliando-se também à prosa de ficção – parecem ter comprovado a precisão do exame empreendido por Adélia: “Nostalgia, utopia e crítica delineiam uma trajetória em espiral em que, num progressivo expandir-se, há a retomada, sempre, dos inícios, e a volta dos temas fulcrais” (p….

A Morte, o Acaso, a Vida
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A Morte, o Acaso, a Vida

Renato Tardivo* Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá, romance de Lima Barreto, autor homenageado na Flip deste ano, foi publicado pela primeira vez em 1919. Levou algumas décadas, contudo, para que a obra de Lima fosse amplamente distribuída. Triste Fim de Policarpo Quaresma, originalmente publicado em 1915, talvez seja seu romance mais célebre; com efeito, Policarpo é uma das personagens mais importantes da literatura brasileira. No romance que se ocupa da biografia de Gonzaga, no entanto, encontramos um Lima Barreto que equilibra com excelência sensibilidade e crítica. A obra acaba de receber uma caprichada edição, com inúmeras…

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Identidade: Eu

Renato Tardivo* Eu, Daniel Blake, filme dirigido por Ken Loach e vencedor da Palma de Ouro de 2016, em Cannes, é excelente e necessário. A trama gira em torno das tentativas (frustradas) de Blake, que é carpinteiro, de conseguir o seguro desemprego do governo inglês a que tem direito por ter sofrido um enfarto. O espectador logo empatiza com o protagonista, um senhor bem intencionado, que tenta apenas adquirir o seu direito, mas é sucessivamente ludibriado pela burocracia, seja no telefone (o filme começa apenas com o código sonoro, em um daqueles diálogos cômicos não fossem trágicos), seja pessoalmente, subjugado…

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Silenciosamente e no Breu: Rosa e Carrascoza em “Silêncios no Escuro”

Renato Tardivo* Silêncios no escuro, primeira obra de ficção adulta de Maria Viana, como já aponta o título, é construído por metáforas sensíveis. A referência mais direta talvez seja Guimarães Rosa, mas, entre os autores contemporâneos, os contos do livro também dialogam com a poética de João Carrascoza, um dos principais escritores brasileiros contemporâneos. Por meio do trabalho com a palavra que diz ao não dizer, do retrato do Sol que ilumina ao se pôr, as narrativas não desvendam o mistério em seus desfechos. São metafísicas por excelência. “Em nome do pai”, conto que abre o livro, é tocante. Mostra…

A travessia de Freud pelas artes

Por Renato Tardivo   A relação de Freud com as artes foi marcada por ambiguidades. Em uma vertente, ele se valeu das artes e do trabalho do artista a fim de validar a teoria que estava criando. Em outra, Freud parece privilegiar a correspondência entre as artes e a psicanálise, pois ambas se prestam a explorar os mistérios da alma humana. Em um excerto curto, anexo à carta a Fliess (1897), Freud compara as fantasias histéricas aos mecanismos da criação poética: “Shakespeare tem razão ao igualar criação poética e delírio”. Essa acepção, talvez majoritária ao longo de sua obra, é…

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Pulsação viva

 Por: Renato Tardivo Qual é o tempo da memória? Apressadamente, talvez respondêssemos ser o tempo passado. No entanto, O Tempo Vivo da Memória, livro clássico da Psicologia Social brasileira, escrito por Ecléa Bosi, trata de problematizar essa resposta, desde o título. O livro reúne diversos ensaios que, tendo a temática da memória como fio condutor, incluem reflexões teóricas, dados de pesquisa de campo, análises de obras de arte e objetos da cultura, estudos sobre a obra de Simone Weil, entre outros. Não se trata de um livro técnico ou com academicismos. Uma das características comuns a todos os capítulos é…

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Forte, feito palavra

Renato Tardivo* Tripé é um dos primeiros livros daquele que viria a ser um dos escritores brasileiros mais reconhecidos e premiados de sua geração. Rodrigo Lacerda estreou em 1995 com O Mistério do Leão Rampante, obra que lhe rendeu um Jabuti na categoria Romance (aos 27 anos apenas). Tripé foi publicado em 1999 e, conforme indicação do título, divide-se em três partes. A primeira traz três textos cujo formato se aproxima da crônica – retratos do cotidiano, falas de crianças, o mundo interno do cronista. Na segunda parte, há duas narrativas inventivamente escritas em formato de roteiro (Teatro? Cinema? Novela?…

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Ficções Psicanalíticas

Renato Tardivo* Recentemente, estreou a segunda temporada de Psi, série com texto e direção geral do psicanalista italiano radicado no Brasil, Contardo Calligaris. Embora não se trate de uma série de consultório, como In Treatment (adaptada no Brasil com o título Sessão de Terapia e direção de Selton Mello), a linguagem privilegiada é a psicanalítica. Os episódios, mais ou menos independentes entre si,se passam em São Paulo e giram em torno de Carlo Antonini (em ótima interpretação de Emílio de Mello), espécie de alter ego do próprio Calligaris. Seu ofício de psicanalista de consultório é abordado, conquanto não incida ali…