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Forte, feito palavra

Renato Tardivo*

tripe

Tripé é um dos primeiros livros daquele que viria a ser um dos escritores brasileiros mais reconhecidos e premiados de sua geração. Rodrigo Lacerda estreou em 1995 com O Mistério do Leão Rampante, obra que lhe rendeu um Jabuti na categoria Romance (aos 27 anos apenas).

Tripé foi publicado em 1999 e, conforme indicação do título, divide-se em três partes. A primeira traz três textos cujo formato se aproxima da crônica – retratos do cotidiano, falas de crianças, o mundo interno do cronista. Na segunda parte, há duas narrativas inventivamente escritas em formato de roteiro (Teatro? Cinema? Novela? Projeto de romance?), mas que em sua dinâmica avizinham-se do conto e da novela – ambas com fortes traços rodriguianos. A terceira parte traz três textos – desta vez, contos, no sentido forte do termo.

Sabemos que três pontos formam um – e apenas um – plano e que por isso são emblemas de estabilidade, equilíbrio. Nesse sentido, o “tripé” do título não se refere à reunião aleatória de três seções que, bem escritas, poderiam resultar em um projeto equilibrado.

Mais que isso, muito sutilmente e com a habilidade que conheceríamos em seus demais livros, o jovem Rodrigo Lacerda brinca com aspectos estruturais da linguagem, habitando-a por dentro. O tripé perpassa os três pontos.

O último conto sintetiza a tese do livro:

“A consciência dos homens é sustentada por um tripé. O primeiro pé traz a observação da realidade cotidiana, pura e às vezes até prosaica. O segundo é onde a subjetividade de cada um se encontra com o mundo real, distorcendo-o fatalmente. O terceiro é exclusivo dos sonhos e das fantasias, ou dos pesadelos. É este que me prende aqui. Nunca vou poder sair. Tenho um pesadelo que não vai embora.”

Neste conto derradeiro – “Hospital” –, histórias narradas anteriormente retornam, não vão embora. Onde o prosaico e o infantil tornam-se fatalidade, e a fatalidade retorna em fantasias ou pesadelos, resta a certeza: enquanto houver vida, o esqueleto irá se sustentar – sólido, equilibrado, forte – feito palavra.

*Renato Tardivo é escritor, psicanalista, professor universitário e doutor em Psicologia Social pela USP. Publicou, entre outros, os livros Girassol Voltado para a Terra (Ateliê), Do Avesso (Com-Arte/USP) e Silente (7Letras), e o ensaio de Porvir que Vem Antes de Tudo – Literatura e Cinema em Lavoura Arcaica (Ateliê).

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