Renato Tardivo

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Comunhão em Quatro Tempos

Renato Tardivo Literatura e Psicanálise Se Freud não escreveu muito sobre a relação entre literatura e psicanálise – embora usasse e abusasse das citações literárias, se valesse de referências da literatura clássica para a criação de conceitos e o único prêmio que recebeu em vida tenha sido o Goethe –, alguns psicanalistas contemporâneos tomaram essa relação como objeto de investigação. Talvez possamos dividir esses estudiosos em duas vertentes: aqueles que vislumbram na psicanálise uma poderosa ferramenta de leitura e análise de texto (perspectiva iluminista adotada inclusive por alguns segmentos da crítica literária) e aqueles que propõem certa analogia entre as…

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“Se eu não fosse seu amigo, você me roubaria?”

Renato Tardivo Sofia Coppola, jovem cineasta estadunidense, já se notabilizou por uma forma blasé de fazer cinema. A esse propósito, se em Um Lugar Qualquer (2010) ela exagera no estilo “nada acontece”, o significativo Encontros e Desencontros (2003) apresenta um bom contraste entre o minimalismo formal e o encontro desencontrado dos protagonistas (vividos por Bill Murray e Scarlett Johansson) em uma Tóquio repleta de luzes, anúncios, sons, imagens, línguas, pessoas.         Seu filme mais recente, The Bling Ring: A Gangue de Hollywood (2013), é uma ficção inspirada em fatos reais. O longa conta a história de um…

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Contrafluxo de Consciência

Renato Tardivo Dalton Trevisan, Sérgio Sant’anna, Raduan Nassar; mais recentemente, Luiz Ruffato, Marçal Aquino, Rinaldo de Fernandes, Marcelino Freire. Pode-se dizer que já há uma tradição em histórias cruéis na literatura brasileira; histórias em que diversas formas violentas de transgressão da lei ocupam papel central. Coisas do Diabo Contra, romance de Eromar Bomfim, insere-se nessa temática. O livro se destaca inicialmente pelo projeto gráfico (ao fim, aliás, o leitor poderá relacionar aspectos materiais do livro com a trama narrada): antes do primeiro capítulo, uma série de fotografias de primeiros planos de uma metrópole alude a um cotidiano sombrio e feito…

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Livre Captura

Renato Tardivo Vida Trágica e Intensa A vida trágica e intensa de Camille Claudel (1864-1943), as esculturas que deixou (e as que destruiu), os  “valores” que enfrentou, o relacionamento amoroso com Rodin, também escultor, são facetas que fazem da artista um nome cultuado, admirado, respeitado. Não por acaso, não são raros os registros sobre sua vida e sua obra. Em 1988, Bruno Nuyteen levou às telas o filme Camille Claudel, no qual retrata os conflitos da escultora francesa com a família, a passagem de aprendiz à amante de Rodin, a relação intensa com o irmão, Paul Claudel, e os delírios…

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Vergonha da Condição Humana

Renato Tardivo Há mais de um século, Sigmund Freud, fundador da psicanálise, propôs a existência da sexualidade infantil. Como era de se esperar, houve muita resistência a essas ideias – e, ainda hoje, há muita discordância. O célebre trabalho de Freud em que elas aparecem são os “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade Infantil”, publicado em sua primeira versão em 1905. Há mais de meio século, psicanalistas da primeira geração de pós-freudianos, talvez Melanie Klein mais notadamente, aprofundaram o conceito de pulsão de morte, inaugurado por Freud, ao afirmarem a presença de sentimentos como o ódio desde a mais…

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Outras Figuras na Canção de Chico Buarque

Renato Tardivo Figuras do Feminino na Canção de Chico Buarque, ensaio de Adélia Bezerra de Meneses, mapeia o tema da mulher na obra do compositor. Com erudição e, ao mesmo tempo, linguagem acessível, o livro é todo ilustrado com reproduções de Di Cavalcanti, Ismael Neri, Volpi, entre outros, o que amplia as possibilidades de sentido contidas no título da obra – “figuras do feminino” –, e evidencia que as imagens não estão a serviço das ideias mas compõem, também elas, o movimento reflexivo proposto pelo livro. Nessa medida, se a escrita de Adélia é atravessada pela filosofia, sociologia e psicanálise,…

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Literatura ou Psicanálise?

Renato Tardivo Contos do Divã, da psicanalista e escritora Sylvia Loeb, coloca (já a partir do título) a seguinte pergunta: psicanálise ou literatura? Com efeito, a questão é antiga e, mais de uma vez, foi discutida pelo próprio Freud. Em Estudos sobre a Histeria (1893-95), o pai da psicanálise afirma que seus casos clínicos guardavam mais semelhanças com as novelas do que com os relatos científicos. De modo ainda mais contundente, em uma carta de 1922 endereçada ao escritor Arthur Schnitzler e que não veio à luz enquanto o psicanalista era vivo, Freud confessa: “Penso que o evitei a partir…

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O Cotidiano São os Outros

Renato Tardivo O Som ao Redor (2012), estreia do pernambucano Kleber Mendonça Filho em longas-metragens, talvez já seja o filme brasileiro mais aclamado dos últimos anos, tendo recebido, entre outros, os importantes prêmios em Roterdã e Copenhague, além de ser incluído na lista dos 10 melhores filmes do ano do New York Times. O filme aborda a banalização da violência – como fizeram outras produções brasileiras (Cidade de Deus, O Invasor, Tropa de Elite 1 e 2, entre outros) –, traz para o cerne a questão da invisibilidade social – temática trabalhada em documentários recentes e ficções documentais (Estamira, Linha…

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Severidade em Santiago

Renato Tardivo Filme de casa se exibe em casa Santiago (2007), documentário idealizado e dirigido por João Moreira Salles, é um dos melhores filmes do cinema nacional da última década. O filme faturou prêmios importantes, incluindo o Festival Du Réel, em Paris – talvez, o reconhecimento máximo que um documentário possa receber. No entanto, advertiu à época o diretor, Santiago entraria em poucas salas. É que a temática do filme é muito pessoal, e Salles julgava que apenas sua família iria se interessar. É sugestivo que, em São Paulo, Santiago só tenha entrado em cartaz no Espaço Unibanco e, no…

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Deus e o Diabo e Abril Despedaçado: do sertão ao mar

“ambos questionam as possibilidades e limites para o destino do sertanejo” Renato Tardivo . . Deus e o Diabo Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), pertencente ao Cinema Novo, é um dos filmes mais importantes do cinema brasileiro moderno. Seu diretor, Glauber Rocha, é um dos principais nomes – senão o principal – do cinema brasileiro. Foi sobretudo Glauber quem incorporou às motivações políticas do Cinema Novo um trabalho sofisticado no plano mesmo da linguagem cinematográfica, cunhando esse estilo de filmar por “estética da fome”, cujo slogan mais conhecido foi “câmera na mão, ideia na cabeça”. Em…