Alex Sens

As viagens do texto
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As viagens do texto

Alex Sens* Comecei a escrever ficção aos treze anos de idade, depois de ler muito e sentir que eu também podia contar uma história que ainda não tinha descoberto ou que, na minha jovem e ingênua vida literária, nunca fora escrita. Publiquei meu primeiro livro aos vinte, depois de participar de antologias e escrever textos esparsos por encomenda. Na época, o processo de produção de um livro me parecia muito simples e lógico, uma linha traçada sem desvios com começo, meio e fim: escrever, enviar o original para uma editora, ter o original corrigido de todos os erros e então…

A Força Dos Louros
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A Força Dos Louros

por Alex Sens   O ano é 2012, uma quinta-feira, a última do mês de novembro. Saio e esqueço o celular em casa. Quando volto, há uma mensagem na caixa postal, sotaque mineiro da Secretaria de Estado da Cultura pedindo para eu retornar. A consciência inunda o meu corpo, se inicia uma breve palpitação, mas eu retorno trêmulo. A notícia de que eu ganhei o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura na categoria “jovem escritor” é a faísca que vai causar o incêndio do meu primeiro livro. O prêmio, uma espécie de bolsa para escrever um livro durante seis…

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Âncora Medicinal: Um registro histórico sobre nutrição

Alex Sens* Por mais que os meios de comunicação produzam e divulguem formas variadas de nutrição, hábitos alimentares e discutam culturas gastronômicas tão visualmente estimulantes a fim de se repensar a saúde e o bem-estar humano em diversas áreas do cotidiano, é uma tarefa mais difícil e talvez impossível tocar a história da alimentação, entender sua raiz, como ela teve início, onde e como se apoiam as publicações hodiernais e o quanto estas são ou não afetadas por antigas tradições. Existe um número absurdo de publicações impressas sobre como se alimentar bem, tanto a partir de receitas quanto a partir…

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A dissipação da raça humana

O tema da solidão, quando tratado pela ficção científica, resulta em obras como Perdido em Marte, The Leftovers e Dissipatio H. G. — O Fim do Gênero Humano Alex Sens* Condição primária do artista, estando sua arte ainda num plano essencialmente virtual ou absolutamente real, a solidão não só é ferramenta para a potencialização do pensar, através da observação e da concentração, como é também o alimento da criatividade. Colocada na esfera da ficção, a solidão torna-se melancólica, mas necessária, portanto um meio que apresenta um fim, sendo este a sua ideia principal, o tema. Só a arte, com seu poder imagético,…

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Ler é cegar o tempo

A leitura é um hábito que pode ser cultivado até mesmo quando se leva a vida corrida das metrópoles  Alex Sens*   Verão na Noruega, o sol brilha tímido nas fímbrias escuras da meia-noite e os turistas exploram sua natureza com aquele desejo fervilhante de aventura. De uma perigosa formação rochosa chamada Trolltunga, despenca uma estudante australiana que só queria fotografar a si mesma. Um casal de alemães adentra a famosa geleira Nigardsbreene é esmagado por um bloco de gelo que se desprende abruptamente, assim como suas vidas. Uma russa se arrisca na beirada íngreme da cachoeira Vøringsfossen e é…

Exercício de observação

Escrito aos 21 anos O domingo está vivo e aguarda. O que aguarda? Não se sabe. O que se sabe é que existe uma espera, uma saudade, e uma saudade que vem de uma despedida, e quem traz à superfície do dia todos estes sentimentos é o vento. O dia está mergulhado em sua própria condição de espera. Se não ventasse, talvez seria dia de velório, o enterro do que ainda não se conhece. Mas é tão vivo, tão cheio de brisa e fresco, como um convite honesto para entrar no carrossel que é esta tarde com pouco mais de…

EU NÃO QUERO FAZER SENTIDO

ALEX SENS FUZIY — 17 de junho de 2014 “Eu não quero fazer sentido, mas ser sentido.” A frase, escrita no final da minha adolescência, deve completar uma década em alguns meses, talvez no próximo ano, já não me lembro. Sei que ela teve um poder modificador, de construção de personalidade e intenção assertiva quando surgiu num susto através de um blog — a ferramenta dos cyber-poetas e escritores de botequim que viram na plataforma virtual a base de seu trabalho no início do século. Era uma verdade: eu não queria que meus textos tivessem sentido, mas que eles pudessem…

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A arte do granito

Alex Sens Fuziy Há mais de dez anos, as quatro paredes dos dois banheiros da casa foram cobertas de granito. São fragmentos de cores leitosas e escuras, espelhadas, placas pontudas, formas geométricas, cacos que alisam a luz do ambiente e refletem qualquer coisa de arte, de sonho gráfico, de selvageria icástica, de linguagem de um tempo duro, preso em si mesmo. Fascinam-me as pedras, seus reflexos, pigmentos, contornos, seus veios e ilhotas de cores cuja essência também se derrama em ímpeto no talento de um fauvista mais observador. Composto essencialmente de mica, quartzo e feldspato, o granito é uma obra…

Condução

Alex Sens Fuziy Abro os olhos. Relaxo as falanges e a língua, músculo pulsante onde ainda tremula um mantra colorido, cheio de Ganesha. Um dedo pressiona o par de colcheias no visor do aparelho. Procuro no escuro a letra B: Branka Parlić. Por um momento maior, esse momento que nos traga e nos guia a uma dimensão inesperada, de beleza que é mais surpresa que encanto, caio nas águas do nome dessa pianista sérvia: Branka. Minha percepção de sonho ou de mergulho afunda no vigor da letra K, tão sólida, tão brilhante, tão marmórea e tão branca quanto o nome…

O maior privilégio de todos

Alex Sens Meu avô materno Erich tinha os olhos mais claros e azuis de Wissembourg. A pele do rosto, lisa como um veludo frio e esticado sobre ossos proeminentes e fortes, descia pelas bochechas esteticamente côncavas, uma planície onde minhas pequenas mãos de cinco anos de idade pousavam. Quando jovem, o queixo quadrado, as maçãs do rosto e o maxilar simetricamente desenhado para a fotografia de uma época em que eu ainda não tinha nascido, eram a moldura de um sorriso que vinha muitas vezes tímido — não no sentido de vergonha, mas de segredo, de palavra misteriosa querendo escorregar…