Alex Sens

Uma coluna bustrofedônica

Alex Sens Peço que se aproxime: não da tela; quero seus olhos brilhantes e curiosos, não manchados pela luz enfraquecida do cansaço. Peço que se aproxime da vontade de ler; que se aproxime da textura pegajosa que tem todo texto ao qual você se entrega e entrega o seu precioso e bruto tempo, sobretudo o tempo visual. Pedra preciosa é o seu tempo — cuidado com as pontas que lembram dentes de gelo colorido. Eu poderia começar esse texto me apresentando: meu nome é Alex Sens Fuziy, nasci em 1988, um par de infinitos indicando o ano porque um único…

Interferências na escrita – parte 2 e final

Embora eu não goste da palavra “coincidência” e tenha de começar este texto com ela (logo na primeira linha!), assim pode ser chamado o curioso fato de que quando meu dedo indicador pressionou a primeira tecla, um trovão sacudiu as folhas metálicas da janela. Um novo jogo de boliche acontecendo nas pistas úmidas das nuvens, um novo pigarro – desta vez da cadeira onde me sento, ela reclamando de escoliose num espaldar nada lisonjeiro –, um novo pássaro que ora canta três notas iguais, ora quatro – e vou imaginando que ele dá um ligeiro salto em cada uma delas,…

Interferências na Escrita – Parte 1

Como se aguardassem um sinal sutil, um comando que aquecesse a força motriz da criatividade, as mãos flutuam indecisas sobre o teclado. Entre o mergulho dos dedos e a transformação do branco em linguagem ao menor movimento das falanges, o mundo respira, o próprio silêncio é silenciado. Uma pomba no galho de um eucalipto deixa escapar um lamento, lembrando a nota de uma flauta doce atravessando as folhas como uma flecha de som. Outro lamento se segue, e mais outro, a sinfonia da pomba é o primeiro corte no silêncio. Um gavião faz companhia, dessa vez no telhado, inclina o…

Possessão, sopro divino ou Musa. Qual te inspira?

“É preciso estar possuído pelo demônio para ter êxito em uma arte.” A frase é de Voltaire, mas poderia ser de qualquer outro artista que tenha sentido essa espécie de possessão durante sua criação artística. A esta possessão também damos o nome de inspiração. Em busca de uma definição para ela, corri os dedos sobre algumas dezenas de livros de minha pequena (e em expansão ad infinitum) biblioteca. Não encontrei nada. Nem em grandes ensaios literários a inspiração ganha algum esboço analítico. E. M. Forster a coloca como um “estado”, e tanto não deixa de sê-lo como nos leva de…

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O machado é para o lenhador como a máquina de escrever para o…

A figura do cozinheiro geralmente é representada por um homem de roupas claras pontilhadas por botões escuros e um rosto arredondado encimado por um chapéu branco de mestre-cuca; a do lenhador, por um homem de camisa axadrezada, jeans apertados e membros superiores fortes segurando um machado; a da bailarina, por uma mulher jovem e de corpo esguio, com cabelos severamente presos, sapatilhas de cetim e uma saia de tule gaze. A figura do escritor, assim como a do pintor, é comumente representada por seus materiais de trabalho, e não por sua indumentária ou aparência física. No imaginário romântico, o escritor…

O suicídio, a arte e os escritores

Apertado entre o fim da infância e o começo da adolescência nasceu meu fascínio pelo suicídio. Começou quando, escrevendo meu primeiro romance, aos 13 anos, senti que meu protagonista deveria romper a própria vida no átrio de um colégio. O livro foi lido em algumas salas, provocou espanto em alguns, interesse em outros, mais pela trama do que pelas tragédias narradas. Então algum deus da escrita bateu sua baqueta num xilofone e eu soube que seria escritor, que na escrita havia esse lugar remoto e profundo onde eu me encontraria por completo. Quando se acreditava que a arte era uma…