Morre o ator e dramaturgo Zé Celso, aos 86 anos

Morreu nesta quinta-feira, 6 de julho, aos 86 anos, vítima de um incêndio em seu apartamento. A Ateliê Editorial lamenta o falecimento desse grande nome da cultura nacional.

José Celso Martinez Corrêa (Araraquara, São Paulo, 1937 – São Paulo, São Paulo, 2023). Diretor, autor e ator. Destacado encenador desde a década de 1960, inquieto e irreverente, líder do Teatro Oficina. Nos anos 1970, influenciado pelas experiências da contracultura, ganha destaque como importante expoente da comunidade teatral e com montagens de criações coletivas. Sua presença e atuação contribui com a história do teatro nacional, influenciando gerações. Estuda na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e participa do Centro Acadêmico 11 de Agosto, integrando o núcleo de estudantes que funda o Grupo de Teatro Amador Oficina. Seus primeiros textos, Vento Forte para Papagaio Subir (1958) e A Incubadeira (1959), ambos autobiográficos, são montados pela companhia sob direção de Amir Haddad (1937)

Após o golpe civil-militar (1964), o grupo amplia sua pesquisa cênica a partir de uma perspectiva política. Sua primeira resposta à nova situação é Andorra, do escritor suíço Max Frisch (1911-1991), exibida ainda em 1964. O texto trata de questões ligadas ao antissemitismo pós Segunda Guerra (1939-1945), mas serve ao Oficina como metáfora para firmar posição contra a perseguição e violência do regime autoritário brasileiro. A encenação se mostra crua e despojada e, paradoxalmente, entremeada de momentos líricos. O espetáculo marca a transição do trabalho de Zé Celso do realismo do dramaturgo russo Stanislavski (1863-1938), presente na construção dos personagens, para o teatro épico do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956), cuja referência se apresenta na postura crítica da encenação, mesmo que ainda tímida.

Em 1967, abre-se uma possibilidade poética e teatral a Zé Celso: a antológica montagem de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade (1890-1954). O texto, escrito na década de 1930, chega a ser considerado impossível de ser colocado em cena, tal  sua verborragia anárquica e seu espírito transgressor. Mas encaixa-se perfeitamente como voz do movimento de rebeldia latente no final da década de 1960. O processo de montagem abarca um profundo mergulho em textos contemporâneos da arte de vanguarda. A direção, juntamente com a equipe, elabora uma proposta teórica de releitura da postura estética das esquerdas, através de algo intrinsecamente brasileiro. O Rei da Vela propõe uma escritura cênica paródica e violenta, grotescamente estilizada, que busca inspiração em diferentes estilos, concretizando um teatro antropofágico. A realização ganha uma posição de liderança na Tropicália, e Zé Celso se estabelece como figura chave do movimento no Teatro. 

Em 1968, Zé Celso dirige Roda Viva, de Chico Buarque (1944), no Rio de Janeiro, sua primeira experiência fora do Oficina. Tomando o texto de Chico Buarque em torno da vida de um ídolo da canção popular que é manipulado pela imprensa e indústria fonográfica, Zé Celso estiliza um ritual raivoso e provocador, no qual os atores vão à plateia incitá-la fisicamente. 

Nos anos 1980, dedica-se à pesquisa cênica e à construção de oficinas ministradas no espaço do Teatro Oficina. Em 1991, Zé Celso retoma a cena em As Boas, de Jean Genet (1910-1986), em que atua ao lado de Raul Cortez (1931-2006) e Marcelo Drummond (1962), seu novo companheiro de trabalho, que o acompanha nas décadas seguintes, dividindo a gestão da nova fase do grupo.

Zé Celso foi um dos mais importantes intelectuais e lideranças do teatro brasileiro, com grande influência também em outras áreas artísticas, como o cinema. Com carreira longeva e em constante evolução, sem receio de experimentações, exerce uma construção cênica que provoca atores e públicos, além de ter a realidade política e social do país sempre como norte de seus trabalhos.

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