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O Encanto de Narciso: fotografia, história e memória

Em seu novo livro, o fotógrafo Boris Kossoy faz reflexões sobre temas que permeiam seu trabalho em textos curtos, densos e objetivos. Para além de registrar as imagens, aqui ele se debruça sobre seus significados e desdobramentos, “em busca de sua natureza e essência”, como ressalta o autor. Os textos foram escritos entre 2010 e 2018 e se organizam em seis capítulos: O Sistema e a Essência; Produção e Recepção; Desmontagem do Constructo; Fotografia e Memória; História da Fotografia; e Outras Dimensões da Fotografia.

A seguir, você lê alguns trechos do livro O Encanto de Narciso:

 A imagem fotográfica é um produto social e cultural; fornece sempre informações de diferentes naturezas acerca dos infindáveis assuntos que ocorrem na realidade concreta ou em motivos puramente abstratos ou ficcionais. Isso significa que são ilimitadas as possibilidades temáticas e que a criatividade só encontra limites na imaginação do fotógrafo, um filtro cultural.

Assim como a palavra é a expressão de uma ideia, de um pensamento, materializada pela linguagem verbal, a fotografia é, também, a expressão de um modo particular do seu autor interpretar o mundo tangível ou intangível.

A realidade do objeto não é a realidade da sua representação. Esta é criada a partir do objeto; não é, portanto, um duplo do objeto. A representação tem vida própria e duração perene. (p. 19/20)

Ao contrário do que diz o ditado popular, a imagem não “vale mais que mil palavras”. Se o receptor nada sabe a respeito do objeto fotografado em si ou do seu entorno, como compreender o que ela representa? As imagens fotográficas históricas, assim como as contemporâneas, contêm informações visuais sobre o objeto. Contudo, é necessário que o receptor da imagem tenha em seu repertório saberes e conhecimentos acumulados de diferentes naturezas para que possa compreender o objeto que vê representado, assim como o contexto histórico, social, político, cultural em que o mesmo se insere. Além de sua aparência. É através da experiência real, mas também da palavra, dos livros, da linguagem verbal, da cultura que adquirimos estes conhecimentos. (p. 25)

Onde termina o documental e onde começa o ficcional da imagem fotográfica?

A criação fotográfica é ilimitada, ou melhor dizendo, só é limitada pela imaginação do fotógrafo. No mundo da representação os fotógrafos se expressam de diferentes modos acerca da vida, da natureza, do mundo, da realidade. Qualquer que seja a aplicação, o registro – adjetivado de “documental” – é, desde a tomada da foto, resultado do olhar criativo de seu autor. (p. 75)

A desmontagem do documento fotográfico corresponde à desarticulação do processo de criação/construção da representação, etapa em que se busca decifrar o conjunto de informações codificadas que elas portam. Trata-se de trazer à tona suas histórias próprias tendo em vista o contexto local e a conjuntura política, social, econômica, cultural; reconstituir as condições de produção; decifrar os enigmas e os porquês acerca de intenções e finalidades que cercam a existência da representação; recuperar a mentalidade da época, entre outras descobertas circunscritas à imagem, operações necessárias para se compreender o aparente e o oculto, suas tramas, significação e alcance. (p. 123)

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