Sindicato dos Jornalistas de São Paulo realiza o lançamento do livro ‘Isolados em um Território em Guerra na América do Sul’, de Koichi Kishimoto

Nesta terça-feira, 13 de dezembro, a partir das 19h, no auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (R. Rego Freitas, 530 – República, São Paulo), acontece o lançamento e roda de conversa do livro Isolados em um Território em Guerra na América do Sul, de Koichi Kishimoto. A obra tem a tradução de Seisiro Hasizume, notas e caderno fotográfico de Alexandre Kishimoto, capa de Camyle Cosentino e imagem de Zen Garden.

Trata-se de um evento público com a palestras de Jorge Okubaro e Massayuki Fukasawa, que escreveram os textos de apresentação do livro, Alexandre Kishimoto representando a família, e mediação da jornalista integrante da COJIRA – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial, Claudia Alexandre. O presidente do sindicato dos jornalistas do estado de São Paulo, Tiago Tanji, fará parte da mesa dos trabalhos.

A obra relata as histórias de vida da imigração japonesa no Brasil, sendo um retrato memorial da repressão dos imigrantes japoneses e seus descendentes durante a Segunda Guerra Mundial. O autor não se limita a descrever as experiências pessoais, que também fora perseguido e preso na época. Em seu texto de apresentação de 1947, ano da primeira publicação do livro, Kishimoto descreveu:

“Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, conflito que esperamos não volte a se registrar na história universal, o Brasil rompeu relações diplomáticas com o Japão. As consequências imediatas foram uma série de pressões contra os imigrantes: prisão para quem simplesmente conversava em japonês nas ruas, censura e apreensão de livros japoneses e até de cartas que continham qualquer palavra escrita em japonês; enfim, para o imigrante japonês era extremamente perigoso sair de casa. Não obstante, continuei escrevendo o livro, correndo o risco de ser preso, como um desesperado grito contra as intermináveis restrições impostas pelas autoridades”.

Segundo o professor e escritor Oscar Nakasato: “Kishimoto era um ótimo ouvinte. Ele recolheu histórias – grande parte nas celas de prisão onde esteve – e as traduziu em dezenas de breves narrativas, muitas vezes pungentes, que testemunham o sofrimento de pessoas que foram injustamente privadas de direitos individuais básicos, como o da expressão de pensamentos, ou que foram perseguidas e presas simplesmente por serem japonesas”. Ele acrescentou ainda “o relato de aproximadamente cinco anos de processo que sofreu com ameaça de cassação do título de naturalização brasileira e de deportação.

Kishimoto relatou, no mesmo texto de apresentação, ter sofrido, à época, diversas perseguições, assim como repreensões policiais:

“Enquanto redigia, minha casa sofreu três buscas policiais e fiquei preso durante um mês. Por pouco os originais não foram apreendidos, felizmente foram salvos por minha esposa, que durante a noite, acordou e escondeu-os dentro da parede e cobriu com barro, conseguindo assim burlar a inspeção dos policiais. Em outra ocasião, ela escondeu esses originais debaixo de sua roupa e, ainda em outra oportunidade, logrou ocultá-los embaixo do cobertor da cama onde dormia o filho enfermo”.

O jornalista e editorialista d’O Estado de S. Paulo, Jorge J. Okubaro, apontou: “Chega a surpreender que, com tanta repercussão à época de seu lançamento, em setembro de 1947, Isolados em um Território em Guerra na América do Sul tenha sido quase apagado da história da presença dos japoneses no Brasil”. E complementa: “O livro é uma descrição fortemente balizada pelas crenças, convicções e formação pessoais dos que a fazem e é, por isso mesmo, tão relevante, pois nos permite, à distância de muitas décadas, rever o ambiente e as condições em que os imigrantes japoneses que vieram para o Brasil durante a Segunda Guerra construíam suas vidas e alimentavam seus sonhos – ou deles se desfaziam, por escolha ou necessidade”.

Isolados em um Território em Guerra na América do Sul é uma leitura importante de vozes que foram silenciadas e aprisionadas durante um período terrível da história do século XX. A obra consolida o primordial texto narrativo de Kishimoto, cujos relatos trazem para o público protagonistas e memórias profundas nipo-brasileiras.

O AUTOR

Koichi Kishimoto nasceu em 1898 na cidade de Shibata, província de Nigata, Japão. Chegou ao Brasil no dia 13 de setembro de 1922, com a esposa e uma filha, radicando-se no noroeste do estado de São Paulo, nas proximidades de Promissão. De agricultor, passou a lecionar japonês. Foi para a capital para estudar português. Candidatou-se a uma vaga de professor da escola primária, sendo aprovado. Em 1931, inaugurou o Gyosei Gakuen (Liceu Aurora), que tinha licença para funcionar como escola regular. Naturalizou-se brasileiro. Lançou a revista Koya, em japonês. Além do livro Nambei no senya ni koritsu shite (Isolados em um Território em Guerra na América do Sul), publicou outros 9 livros em japonês, tendo como tema o Japão ou viagens pelo Brasil e América do Sul. Recebeu comendas de Honra ao Mérito do governo japonês, do Instituto Histórico e Geográfico e da Sociedade Geográfica Brasileira. Após seu falecimento em 1977, foi homenageado com o nome de uma rua na Vila Morais, homologado pela Prefeitura do município de São Paulo. No Japão, houve a publicação de um livro sobre sua vida e da versão atualizada do Nambei no senya ni koritsu shite.

TRECHO DA OBRA

Era simplesmente indescritível a dor que um detento estava suportando, cuja família (esposa e filhas), abandonada na rua da amargura, vagava de um lugar para outro. O caso do senhor I., de 38 anos, companheiro de cela, é um bom exemplo. Há cinco anos, ele tinha vindo de Tóquio como imigrante. Havia prestado o serviço militar como soldado da força aérea japonesa e tinha exercido funções de instrutor para motoristas de veículos da polícia. Despretensiosamente, mostrou a vizinhos brasileiros fotos em que aparecia ao lado de generais e oficiais graduados do exército japonês.

Foi o começo do seu infortúnio, pois, após o rompimento das relações diplomáticas entre Brasil e Japão, aqueles vizinhos o denunciaram à polícia dizendo: “I. é um capitão da força aérea japonesa que veio ao Brasil enviado pelos dirigentes militares para atuar como espião”. Condenado, ficou nove meses encarcerado na Ilha das Flores, prisão localizada numa ilhota longe do litoral, no Rio de Janeiro, e em seguida foi encaminhado para a prisão do Deops, de São Paulo, dividindo a cela comigo.

Leia na íntegra o prefácio da primeira edição em japonês assinada pelo autor Koichi Kishimoto, em julho de 1947:

Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, conflito que esperamos não volte a se registrar na história universal, o Brasil rompeu relações diplomáticas com o Japão. As consequências imediatas foram uma série de pressões contra os imigrantes: prisão para quem simplesmente conversava em japonês nas ruas, censura e apreensão de livros japoneses e até de cartas que continham qualquer palavra escrita em japonês; enfim, para o imigrante japonês era extremamente perigoso sair de casa. Não obstante, continuei escrevendo o livro, correndo o risco de ser preso, como um desesperado grito contra as intermináveis restrições impostas pelas autoridades.

Escrevi, ora sob o ensurdecedor barulho dos aviões de reconhecimento que passavam em voo rasante, ora após ter presenciado o sofrimento dos infelizes patrícios que, desalojados arbitrariamente de suas casas, seguiam em fila indiana para locais desconhecidos, ora na prisão, aproveitando os poucos momentos de descuido dos atentos carcereiros.

Enquanto redigia, minha casa sofreu três buscas policiais e fiquei preso durante um mês. Por pouco os originais não foram apreendidos, felizmente foram salvos por minha esposa, que durante a noite, acordou e escondeu-os dentro da parede e cobriu com barro, conseguindo assim burlar a inspeção dos policiais. Em outra ocasião, ela escondeu esses originais debaixo de sua roupa e, ainda em outra oportunidade, logrou ocultá-los embaixo do cobertor da cama onde dormia o filho enfermo.

Nem sei quantas vezes pensei em abandonar tudo, pois as pressões já estavam se tornando insuportáveis. Consegui concluir e editar o livro graças ao apoio da minha boa esposa, que, sempre que o perigo se aproximava, ocultava os originais valendo-se de todos os meios e estratagemas imagináveis, como os acima descritos.

A Guerra terminou, mas a nossa luta está apenas começando. A luta insana que se estendeu por quatro anos deve ser considerada um marco memorável do nosso povo, um episódio inesquecível para os trezentos mil patrícios radicados no Brasil, e que deve ser propagado como precioso legado aos nossos filhos, e desses aos nossos netos. Não deve ser transmitido apenas oralmente, nem jamais tratado como narrativa lendária. Cabe a nós a importante missão de legar aos jovens, por meio de registros históricos e textos literários, os aspectos reais dos acontecimentos abordados, com o máximo de rigor e profundidade.

É com esse pensamento que submeto o presente livro à apreciação de todos os senhores.

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