Leia o prefácio de Koichi Kishimoto da primeira edição de ‘Isolados em um Território em Guerra na América do Sul’

Ateliê Editorial publica a obra Isolados em um Território em Guerra na América do Sul, de Koichi Kishimoto. Com a tradução de Seisiro Hasizume, notas e caderno fotográfico de Alexandre Kishimoto, capa de Camyle Cosentino e imagem de Zen Garden. A obra relata as histórias de vida da imigração japonesa no Brasil, sendo um retrato memorial da repressão pelos imigrantes japoneses e seus descendentes durante a Segunda Guerra Mundial.

Isolados em um Território em Guerra na América do Sul é uma leitura importante de vozes que foram silenciadas e aprisionadas durante um período terrível da história do século XX. A obra consolida o primordial texto narrativo de Kishimoto, cujos relatos trazem para o público protagonistas e memórias profundas nipo-brasileiras.

Leia a seguir o prefácio da primeira edição em japonês assinada pelo autor Koichi Kishimoto, em julho de 1947.

Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, conflito que esperamos não volte a se registrar na história universal, o Brasil rompeu relações diplomáticas com o Japão. As consequências imediatas foram uma série de pressões contra os imigrantes: prisão para quem simplesmente conversava em japonês nas ruas, censura e apreensão de livros japoneses e até de cartas que continham qualquer palavra escrita em japonês; enfim, para o imigrante japonês era extremamente perigoso sair de casa.


Não obstante, continuei escrevendo o livro, correndo o risco de ser preso, como um desesperado grito contra as intermináveis restrições impostas pelas autoridades.

Escrevi, ora sob o ensurdecedor barulho dos aviões de reconhecimento que passavam em voo rasante, ora após ter presenciado o sofrimento dos infelizes patrícios que, desalojados arbitrariamente de suas casas, seguiam em fila indiana para locais desconhecidos, ora na prisão, aproveitando os poucos momentos de descuido dos atentos carcereiros.

Enquanto redigia, minha casa sofreu três buscas policiais e fiquei preso durante um mês. Por pouco os originais não foram apreendidos, felizmente foram salvos por minha esposa, que durante a noite, acordou e escondeu-os dentro da parede e cobriu com barro, conseguindo assim burlar a inspeção dos policiais. Em outra ocasião, ela escondeu esses originais debaixo de sua roupa e, ainda em outra oportunidade, logrou ocultá-los embaixo do cobertor da cama onde dormia o filho enfermo.

Nem sei quantas vezes pensei em abandonar tudo, pois as pressões já estavam se tornando insuportáveis. Consegui concluir e editar o livro graças ao apoio da minha boa esposa, que, sempre que o perigo se aproximava, ocultava os originais valendo-se de todos os meios e estratagemas imagináveis, como os acima descritos.


A Guerra terminou, mas a nossa luta está apenas começando. A luta insana que se estendeu por quatro anos deve ser considerada um marco memorável do nosso povo, um episódio inesquecível para os trezentos mil patrícios radicados no Brasil, e que deve ser propagado como precioso legado aos nossos filhos, e desses aos nossos netos. Não deve ser transmitido apenas oralmente, nem jamais tratado como narrativa lendária. Cabe a nós a importante missão de legar aos jovens, por meio de registros históricos e textos literários, os aspectos reais dos acontecimentos abordados, com o máximo de rigor e profundidade.


É com esse pensamento que submeto o presente livro à apreciação de todos os senhores.

O AUTOR

Koichi Kishimoto nasceu em 1898 na cidade de Shibata, província de Nigata, Japão. Chegou ao Brasil no dia 13 de setembro de 1922, com a esposa e uma filha, radicando-se no noroeste do estado de São Paulo, nas proximidades de Promissão. De agricultor, passou a lecionar japonês. Foi para a capital para estudar português. Candidatou-se a uma vaga de professor da escola primária, sendo aprovado. Em 1931, inaugurou o Gyosei Gakuen (Liceu Aurora), que tinha licença para funcionar como escola regular. Naturalizou-se brasileiro. Lançou a revista Koya, em japonês. Além do livro Nambei no senya ni koritsu shite (Isolados em um Território em Guerra na América do Sul), publicou outros 9 livros em japonês, tendo como tema o Japão ou viagens pelo Brasil e América do Sul. Recebeu comendas de Honra ao Mérito do governo japonês, do Instituto Histórico e Geográfico e da Sociedade Geográfica Brasileira. Após seu falecimento em 1977, foi homenageado com o nome de uma rua na Vila Morais, homologado pela Prefeitura do município de São Paulo. No Japão, houve a publicação de um livro sobre sua vida e da versão atualizada do Nambei no senya ni koritsu shite.

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