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Várias Histórias, contos de Machado de Assis

Renata de Albuquerque*

A edição da Ateliê de Várias Histórias tem apresentação e notas de José de Paula Ramos Jr e ilustrações de Sérgio Kon.

Este é o quinto livro de contos de Machado de Assis, lançado em livro no ano de 1896. Isso significa que, antes dele, já haviam sido lançadas obras fundamentais como Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e Quincas Borba (publicado em formato de folhetim entre 1886 e 1891; e reunido em livro em 1892). Essas informações ajudam o leitor a entender que Várias Histórias é um livro de contos especialmente instigante, escrito por um escritor já maduro e disposto também a experimentar e a provocar o leitor.

São, ao todo, 16 contos: A Cartomante, Entre Santos, Uns Braços, Um Homem Célebre, A Desejada das Gentes, A Causa Secreta, Trio em Lá Menor, Adão e Eva, O Enfermeiro, O Diplomático, Mariana, Conto de Escola, Um Apólogo, D. Paula, Viver! e O Cônego ou Metafísica do Estilo. Entre eles, muitos são bastante famosos e figuram em diversas coletâneas dedicadas ao autor.

Um Apólogo é uma lição de concisão, uma das mais importantes características do conto. A disputa entre uma agulha e a linha que costuram um vestido de uma dama vai muito além da “lição de moral” típica do gênero. É, além disso, uma crítica sócio-política construída com cuidado e muitos subentendidos.

A Desejada das Gentes traz um Conselheiro (escrito antes do famoso Aires) que se lembra da “divina” Quintília, que havia sido disputada por ele com João Nóbrega: uma aposta entre amigos que é pretexto para que Machado crie mais uma de suas personagens femininas complexas e inesquecíveis.

Uns Braços é um texto que presenteia o leitor com ambiguidade e interdito. Nada (ou quase nada) está à mostra. O ambiente doméstico parece dar pouca abertura para um universo mais amplo, mas a imaginação do jovem Inácio e os braços de d. Severina, sua anfitriã, casada com Borges, leva o leitor a buscar, intrigado, em cada sinal sutil da narrativa, algo que frequentemente lhe foge: a atração de Inácio por d. Severina parece um estudo para o que depois viria a ser A Missa do Galo (de Páginas Recolhidas, lançado em 1899).

Enquanto isso, A Causa Secreta traz elementos de suspense, terror, loucura e é quase um thriller, cheio de personagens complexos psicologicamente que instigam a curiosidade do leitor para tentar entender todo aquele ambiente incômodo que, de alguma forma atrai a atenção.

Outra figura feminina inesquecível e misteriosa de Várias Histórias é D. Paula, personagem-título de um conto que, na superfície, é apenas mais uma história romântica que, se lido em profundidade e com cuidado, revela um jogo de poder que personagens muito singulares usam para defender seus próprios interesses.

Várias Histórias, enfim, é um exemplo acabado de que Machado de Assis parecia estar sempre atento ao resultado de sua obra como um todo, ao que desejava alcançar com cada texto ficcional e como, de certa maneira, testava situações e personagens que, com o passar do tempo, ia aprimorando.

*Jornalista, Mestre em Literatura Brasileira pela FFLCH/USP, autora da Dissertação Senhoras de Si: o Querer e o Poder de Personagens Femininas nos Primeiros Contos de Machado de Assis.

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