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Pequeno Guia Histórico das Livrarias Brasileiras: Um brinde à resistência das livrarias brasileiras

por Katherine Funke*

Será que voltaremos tanto no tempo que livreiros favoráveis à liberdade de pensamento terão de criar um fundo falso nas estantes da loja? É impossível não sair da leitura do Pequeno Guia Histórico das Livrarias Brasileiras, de Ubiratan Machado, sem essa pergunta na cabeça.

O livro traz informações históricas mais do que úteis – inspiradoras – sobre modos de sobrevivência de cem livrarias brasileiras, desde o comércio jesuíta dos séculos 17 e 18 até as mais recentes, como a Livros & Livros, fundada em 1988 e que ainda resiste bravamente aberta dentro da Universidade Federal de Santa Catarina.

Quem já viveu bons momentos em uma livraria vai ser transportado a outros espaços-tempo folheando a publicação. Eu mesma, lendo sobre a Livros & Livros, não posso deixar de ser lançada ao dia em que autografei meu primeiro livro de contos na sua grande loja do centro de Florianópolis, um grande espaço com dois andares, muito bem decorado, infelizmente já extinto. Cada um com suas lembranças – e quantas são, para quem ama livros e livrarias!

Impossível não se apaixonar pela história de cada livreiro. Este manual – que nada tem de “pequeno”, nem no formato, nem na profundidade da pesquisa empreendida pelo autor – está mais para labirinto onde cem quixotes de três séculos se encontram conosco, os quixotes-leitores, do lado de fora do livro.

O método mais gostoso de ler este Pequeno Guia, aliás, é levá-lo para ler em uma pequena livraria da sua cidade, e desfrutar dos muitos causos e dados sentindo o sabor de fazer parte dessa espécie de movimento contracultural chamada loja de livros.

Escolhi uma chamada “Barba Ruiva”,  já no seu terceiro endereço no centro de Joinville, onde divide espaço com uma cafeteira e tem uma parede adornada com a placa “Rua Marielle Franco – Brasil”. Levanto os olhos por um momento e vejo o livreiro, o ruivo e barbado Fernando Koenig, pendurado numa escada para alcançar um volume desejado por uma cliente. Sorrio e volto às páginas impressas em papel pólen, absorta pela leitura.

Labirinto

O guia segue a linha do tempo, linearmente, conforme vai apresentado experiências de livreiros de diversas regiões do território nacional. O autor da obra, Ubiratan Machado, avisa logo de entrada que o guia está incompleto. Mas nem mesmo os mapas e as enciclopédias conseguem dar conta de tudo. Ele explica que se esforçou para abranger livrarias de todos os Estados – mas alguns livreiros não se dedicaram a colaborar com informações para a pesquisa.

Jorge Luis Borges, se fosse Machado, faria uma narrativa inversa, talvez: inventaria as histórias ocultadas por esses livreiros e deixaria para o prefácio um resumo da pesquisa informativa. Mas a Ubiratan Machado cabe a paixão pelo detalhe, pelo dado histórico, checado, apurado, contrastado com depoimentos & notícias de jornal, e a isso também é preciso amar e agradecer com o mais profundo respeito, em tempos de apagamento e constante reescrita da História.

Por causa da pesquisa de Machado, ficamos sabendo que interessados em comprar livros marxistas ou de filosofia durante a ditadura, em Belém (PA), tinham uma alternativa combativa na livraria Jinkings. Seu proprietário a fundou em 1965, depois de ter passado quatro meses encarcerado por ordem militar. Raimundo Jinkings, desafiando o regime, criou uma estante com fundo falso para atender às encomendas consideradas subversivas pela censura.

O autor conseguiu levantar não só detalhes sobre a rotina das lojas, como também relacioná-los com o contexto político e social das fases de abertura, desenvolvimento e, às vezes, do fechamento das livrarias selecionadas para compor o guia.

Assim, ele informa que o dono da rede Nobel de Livrarias veio para o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, direto da Itália. Cláudio Milano se fixou em São Paulo, em 1943, e depois de algum tempo vivendo como encadernador, passou a distribuir livros. E também ficamos sabendo de um folclore vigente a respeito de um truque de Henfil e sua turma mineira em Belo Horizonte, nos anos 1960: entrar na livraria Itatiaia com as pastas escolares infladas de ar para sair de lá com as pastas cheinhas de volumes surrupiados…

O cuidadoso trabalho de edição da obra faz com que cada livraria seja apresentada com seu selo ou logo, e algumas imagens histórias. Impossível não passar alguns minutos detida pela fotografia da página 156, que retrata um evento dentro da livraria Brasiliense.

Sem dúvida, este livro é um presente à inteligência e um brinde à resistência de livreiros, editores, escritores e leitores do Brasil. Em tempos de fechamento de livrarias e de muitas mudanças no âmbito governamental do país em relação à educação, arte e cultura, o Pequeno Guia Histórico das Livrarias Brasileiras cristaliza o amor ao saber com um cuidado inigualável.

 * Mestre e doutoranda em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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