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Com a Palavra n.5: Beatriz de Paoli e o enigma de Filoctetes

Lançada em 2022, a Coleção Tragédias Completas de Sófocles (Ateliê Editorial/Editora Mnēma) já trouxe ao público contemporâneo edições bilíngues de Antígona, Édipo Rei, Electra, Ájax e As Traquínias, todas enriquecidas com glossários mitológicos e ensaios críticos.

O sexto volume da coleção será a tragédia Filoctetes, na qual Ulisses envia o filho de Aquiles, Neoptólemo, para recuperar as armas do personagem-título da obra, um velho guerreiro isolado na ilha de Lemnos após adquirir uma chaga incurável. A tradução é de Jaa Torrano.

A obra já está em pré-venda promocional no site da Ateliê, e os leitores da newsletter Com a Palavra recebem agora com exclusividade um trecho do ensaio O Arco, O Vaticínio e a Epifania, de Beatriz Paoli, presente no livro.

o arco, o vaticínio e a epifania – Beatriz de Paoli

A trama de Filoctetes está intimamente imbricada ao vaticínio de Heleno, o adivinho troiano filho de Príamo. Entretanto, seu vaticínio não é citado verbatim em nenhum momento ao longo da tragédia, o que constitui uma característica da poética sofocliana. Há somente menções ao vaticínio feitas por diferentes personagens em diferentes momentos da trama. O resultado são formulações diversas, com diversas implicações, de um mesmo prenúncio, ao qual só se tem acesso de forma indireta e variada. A cada nova menção e formulação do vaticínio, novos elementos são incorporados ou os mesmos elementos aparecem relacionados de forma diferente. Há, porém, um movimento de claridade, o qual culmina com a epifania e o vaticínio de Héracles, em que os eventos prenunciados por Heleno são retomados e colocados sob uma nova luz. Dessa forma, a multiplicidade do vaticínio de Heleno revela-se como unidade no vaticínio de Héracles.

Nos estudos a respeito de Filoctetes, alguns problemas são comumente apontados pelos comentadores, sendo um deles quais seriam as exatas palavras do vaticínio de Heleno e quanto Neoptólemo sabe, visto que, no prólogo, aparentemente nada sabe da predição, mas ao longo da trama demonstra conhecê-la.

A dificuldade com relação ao vaticínio de Heleno repousa no fato de que é recoberto por pelo menos duas camadas que lhe comprometem a transparência. A primeira diz respeito à transmissão indireta. Como se observou, as palavras do adivinho não são citadas verbatim; não se pode, assim, precisar em que medida são incorporadas e reformuladas pela fala dos personagens. Outra camada de turvamento do vaticínio refere-se ao dolo. No prólogo, na fala de Odisseu, fica evidente o caráter doloso (dóloisin, v. 91; dóloi, v. 101; dóloi, v. 102; dóloi, v. 107) da missão de pegar o arco de Filoctetes. Desse modo, mentira e verdade são não apenas indiscerníveis no vaticínio, como ao final mostram ser coincidentes.

A primeira alusão ao vaticínio de Heleno encontra-se no prólogo (vv. 68-69; 113-119), quando Odisseu instrui e procura convencer o relutante filho de Aquiles a obter de forma dolosa o arco de Filoctetes, sem o qual Troia não poderá ser conquistada. Nesse momento, há um elemento do vaticínio sobre o qual recai a ênfase: o arco de Filoctetes (tà tóxa, v. 68; tóxon, v. 75; anikéton hóplon, v. 78; tà tóxa, v. 113). Essa ênfase provoca uma incerteza momentânea se apenas o arco seria necessário ou seria necessária também a ida de Filoctetes a Troia para que a cidade seja conquistada. Porém, ao longo do diálogo entre Neoptólemo e Odisseu, há referências à captura de Filoctetes e não somente de seu arco. Neoptólemo, por exemplo, diz que estaria pronto para “levar o varão à força / e não por dolo” (vv. 90-91), enquanto Odisseu fala em “pegar Filoctetes” (v. 101). Essas referências apontam para a ideia de que, ainda que Filoctetes e seu arco possam ser mencionados separadamente, constituem uma unidade indissociável. […]

leia o ensaio completo no livro

Beatriz de Paoli é Professora Adjunta de Língua e Literatura Grega na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas Clássicas, pesquisando principalmente adivinhação, sonhos e tragédia grega.

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