A Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente

“Farsa” é o nome que se dá ao gênero teatral que explicita a caricatura sobre personagens e situações. O resultado é uma crítica aos costumes de um tempo e de um grupo social. Esse foi o gênero escolhido por Gil Vicente ao escrever um texto sobre a máxima “Mais vale um asno que me leve que um cavalo que me derrube”.

O desafio teria sido lançado quando, acusado de plágio, o autor aceitou a proposta de escrever a respeito de um mote escolhido por outras pessoas, para que, com isso, pudesse provar sua originalidade e capacidade enquanto autor. A provocação gerou, então, o que é considerado por muitos o texto mais complexo e divertido desse autor nascido em 1465, em Évora (Portugal) e considerado o pai do teatro português.

Em “Farsa de Inês Pereira”, apresentada pela primeira vez ao Rei D. João III, no ano de 1523, Gil Vicente denuncia hábitos e costumes amorais e até degradantes da sociedade portuguesa, em um tom que beira o jocoso. Até hoje a peça diverte e arranca risadas de espectadores e leitores. Ao contrário de outras peças escritas pelo autor, nesta não há uma “lição de moral”, com punição explícita da personagem.

Resumo

Inês Pereira é uma jovem na idade de se casar. Ela é pressionada pela mãe, com a ajuda da alcoviteira Lianor Vaz, a conseguir um marido adequado, que a sustente financeiramente. Mas Inês sonha que seu marido queira se divertir tanto quanto ela, que saiba tocar viola. Inês espera, com o casamento, fugir das obrigações do trabalho doméstico.

O primeiro pretendente é Pero Marques, um camponês rico que, quando vai à casa de Inês, comporta-se de uma maneira que ela acha ridícula, sem nenhum traquejo ou refinamento social. Ela dispensa o pretendente e aceita a proposta de Brás da Mata, feita por intermédio dos judeus Latão e Vidal. Brás da Mata é um escudeiro cujo objetivo é dar o golpe do baú em Inês Pereira. Por isso, age com refinamento e acaba por conquistar a jovem.

Já casada, Inês passa a sofrer nas mãos do marido e percebe a armadilha em que caiu. Trancada em casa, sua única ocupação é costurar e lamentar o que lhe aconteceu. O marido vai para a guerra, onde morre. Viúva, Inês casa-se com Pero Marques. Algum tempo depois, reencontra um antigo namorado seu, chamado de ermitão, e ambos marcam um encontro. Inês pede a Pero que a leve ao local marcado e, com isso, engana o marido, que a leva nas costas para o compromisso, sem perceber que estava sendo enganado. Daí justifica-se o mote “mais vale um asno que me carregue que um cavalo que me derrube”.

Análise

“Farsa de Inês Pereira” foi encenada pela primeira vez em uma época de decadência da monarquia feudal e ascensão do mercantilismo. Esse embate socioeconômico ecoa na obra de Gil Vicente.

Inês Pereira é a personagem por meio da qual Gil Vicente critica a frivolidade da burguesia portuguesa da época, que desejava apartar-se da rusticidade do campo. Brás da Mata é o personagem que representa a “esperteza” condenável, o galanteador ambicioso. Já Pero Marques é o camponês inocente e ingênuo.

Por ser um texto dramatúrgico, não tem foco narrativo, mas rubricas que indicam detalhes das cenas, e diálogos que ajudam o leitor a entender cada personagem. O foco principal da crítica desta obra é a decadência dos valores e da formação da família e, Portugal naquela época.  

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