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Ler livro, ser livre (a importância da leitura na formação do jovem leitor)

Por Renata de Albuquerque

Em abril, celebra-se o Dia Internacional do Livro Infantil. Para falar sobre a importância da leitura para crianças, o Blog da Ateliê entrevistou Marise Hansen. Ela é Professora de Literatura e subcoordenadora de Português no Colégio Bandeirantes. Mestre e doutoranda em Literatura Brasileira – USP, é autora de “Porta-retratos” e responsável pela apresentação e notas da edição de “A Ilustre Casa de Ramires”.

Qual a importância da leitura na infância?

Marise Hansen: A leitura na infância é tão importante quanto o se alimentar e o brincar. Estimula a imaginação, incrementa o repertório cultural, desenvolve a empatia. São histórias de “outros”, mas que a criança consegue imaginar como suas, guardado o limite de segurança da representação ficcional, e “viver” experiências e sentimentos que, do contrário, não viveria. Uma criança que lê tende a tornar-se um adulto mais empático, porque só a leitura propicia um “viver outra vida”, o ver o mundo sob outros olhos.

A partir de qual idade já se pode estimular esse hábito?

MH: Por experiência própria, porque fiz isto com meus dois filhos, penso que se deva estimular esse hábito desde a idade de meses. Quando o bebê já consegue segurar objetos, os livros devem ser colocados em suas mãos, e toda hora é hora de folhear páginas, imaginar situações e histórias, ver o mundo representado: na troca de fraldas, no banho (com os livros de plástico). Se o bebê leva o livro à boca, sem problemas, é seu modo de apreendê-lo, faz parte da fase oral. Aos poucos ele vai descobrindo que pode “devorar” o livro sem ser literalmente. Mas já está dado o primeiro passo para a familiaridade da criança com os livros. O primeiro presente que faço questão de dar aos filhos recém-nascidos de amigos é um livro, de pano, plástico, ou cartão grosso.

Como estimular o hábito da leitura? 

MH: Continuando a resposta anterior, o hábito da leitura deve ser estimulado desde cedo. A manipulação do objeto livro é fundamental, o bebê se diverte, sente prazer ao ver figuras e ouvir a voz dos pais se referindo a elas, contando uma história. Sem dúvida, a leitura em voz alta para a criança de qualquer idade é um momento decisivo, até “sagrado”, eu diria. Nada melhor do que silenciar uma TV e ouvir a apenas a voz do contador de histórias, ou contadores, porque as crianças muitas vezes participam ativamente da narração, seja perguntando, comentando, complementando ou até “corrigindo” a história! Comentam as ilustrações, o enredo, os valores envolvidos. Trata-se, portanto, de um momento em que se dão, simultaneamente: aproximação física e emocional com a criança; estímulo da imaginação a partir de tudo o que a história sugere, ou diz sem dizer integralmente; estímulo da percepção visual, com as ilustrações, e da auditiva, com a ênfase no dizer e no pronunciar. A meu ver, tudo isso junto é responsável por desenvolver na criança um tipo muito particular de inteligência, que costumo chamar de “inteligência poética”.

A escola estimula a leitura, mas por outro lado, como existem as “leituras obrigatórias”, muitas crianças e adolescentes acabam por não ter o hábito da leitura. O que os adultos (pais, professores, responsáveis, familiares) podem fazer para diminuir essa sensação de obrigatoriedade?

MH: Acho que deve haver quem mostre ao jovem leitor a pertinência e a atualidade das obras “obrigatórias”, via de regra, as “clássicas”. Se há quem as apresente, leia com eles (filhos, alunos) as páginas iniciais (normalmente, as mais difíceis, pois são a entrada num universo novo, inclusive quanto à linguagem), discuta algumas ideias, eles acabam se interessando, sim, a despeito da obrigatoriedade. Se você apenas “manda” ler, por exemplo, o Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, obra de 1517, é uma coisa; se você lê trechos com os alunos, explorando a sonoridade do texto, o humor das falas e a atualidade dos temas (corrupção, preconceito, prepotência da elite), é outra, muito diversa. Algo que tem tido êxito na escola em que trabalho é associar a leitura dos clássicos a obras contemporâneas, compará-las, aproximá-las, identificar o conteúdo comum às questões humanas, independentemente da época em que foram escritas.

Os livros paradidáticos podem contribuir para que crianças cultivem o hábito da leitura? Que livros podem ser oferecidos a cada faixa etária?

MH: Eles não só podem, como devem contribuir para a criação e manutenção desse hábito, desde que lidos de modo significativo, compartilhado. O professor deve atuar como um mediador das leituras e discussões, não como alguém que “manda” ler para apenas fazer perguntas, fazer uma prova, verificar a leitura, o que até pode ser feito, mas não como objetivo primeiro. Na primeira infância devem ser oferecidos inicialmente os livros coloridos, bem ilustrados, com histórias simples, poucas personagens e cenas estimulantes, depois as fábulas e contos de fada, que tratam de valores, medos, emoções a partir de um universo fantasioso. Depois de consolidada a alfabetização, pode-se partir para os livros de aventura, e então para os que tratam do cotidiano de pré-adolescentes e adolescentes, ou biografias, que abordam conflitos, dilemas, tomadas de decisão.

Os professores que, por dever curricular, precisam trabalhar os clássicos em sala de aula, muitas vezes encontram uma barreira: os alunos não entendem o vocabulário (por conta da data em que os clássicos foram escritos) ou ficam resistentes ao conteúdo. Como lidar com esta situação e em vez de criar uma barreira, fazer com que os alunos possam aderir e entender a importância desses livros?

MH: Como diz Ana Maria Machado: “Clássico não é livro antigo e fora de moda. É livro eterno que não sai de moda”. O primeiro passo é o próprio professor se convencer disso. Se ele mesmo está convencido da atualidade e do sentido que a leitura de determinado clássico pode fazer, ele apresenta o livro como um verdadeiro convite, uma oportunidade, e não como uma obrigação. Se “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”, de acordo com Ítalo Calvino, o aluno tem de ser estimulado, até desafiado, a atualizar seu sentido: como a sua leitura pode extrair do clássico aquilo que ele ainda não disse? Os alunos costumam apresentar hipóteses surpreendentes de leitura, quando se aborda o clássico sob essa perspectiva.

Conheça a obra de Marise Hansen

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