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“O Retorno de Bennu”: prosa poética de Majela Colares

Bennu corresponde à Fênix mitológica. “Foi o grito da ave Bennu na criação do mundo que marcou o início dos tempos”, explica Majela Colares na nota que precede o livro “O Retorno de Bennu”, recém-lançado pela Ateliê Editorial. O poeta e contista cearense vive em Recife. Já publicou em português e teve obras traduzidas para o alemão e catalão. “O Retorno de Bennu” traz ao leitor poesia em prosa, aforismos, versos livres e uma poesia caudalosa, que inspira o leitor. A seguir, ele fala sobre o lançamento para o Blog da Ateliê:

Por que a escolha de Bennu, criatura pouco conhecida (em comparação a Fênix, por exemplo), para dar título ao livro?

Majela Colares: Vejo atualmente a humanidade vivendo uma existência caótica, um mundo caótico. Os elevados valores e princípios humanos degenerando-se, a vida correndo em extrema fragilidade, alimentada por valores iníquos, mergulhada em uma futilidade irritante de profunda angústia. Uma cegueira mórbida, alienada… A automação do Homem espraiando-se em todos os sentidos. Tudo é supérfluo, descartável, inconsistente. O livro “O Retorno de Bennu” tenta levar o leitor a uma reflexão sobre os verdadeiros valores humanos; o significado e sentido atuais da vida. A humanidade precisa reumanizar-se. Enxerguei em Bennu – por sua fascinante originalidade, além de nos remeter aos primórdios das mais antigas civilizações, no caso o Egito, e fundamentalmente por sua enigmática História Mitológica – o melhor símbolo para representar este processo de revitalização do humano… (Essa grande e bela metáfora).  Segundo a mitologia egípcia, Bennu (ave sagrada) ressurgia a cada 500 anos com a missão de provocar o renascimento do Homem. Bennu surgia, induzia essa transformação no ser humano e depois desaparecia, após um processo de auto-combustão, para ressurgir novamente 500 anos depois, emergindo das suas próprias cinzas. Penso que a humanidade, os princípios e ideais humanos, como Bennu, precisam mergulhar em um processo auto-regenerativo em busca da vital essência humana, no intuito de alcançar o verdadeiro sentido da vida. Uma vida com mais sensatez e beleza. É para esta renovação de pensamento, reflexivo e transformador, que nos quer despertar “O Retorno de Bennu”.

 

Qual seu contato com a cultura egípcia e de que maneira ela está refletida neste livro?

M.C: O meu contato com a cultura egípcia resume-se apenas a leituras sobre sua História e sua Mitologia; uma leitura em nada profunda. Não sou nenhum especialista em egiptologia. São leituras dispersas… por ser um admirador daquele antigo povo e seus incríveis conhecimentos artísticos e científicos, suas dimensões culturais. Esta cultura está refletida no livro “O Retorno de Bennu” por ser um dos berços da nossa civilização. A mitológica Bennu e o rio Nilo inserem, simbolicamente, a cultura egípcia no conteúdo do livro, mais especificamente explicita no poema “O Retorno de Bennu”, que naturalmente dá título ao livro.

 

Majela Colares fotografado por Társio Pinheiro

Como foi o processo de escolha dos textos que compõem este livro?

M.C: A estrutura de “O Retorno de Bennu” foi rigorosamente pensada. Todos os textos revelam um conteúdo questionador e reflexivo sobre a condição e natureza humanas; uns mais outros menos, mas todos seguem este fio condutor. O teor fundamental do contexto do livro visa despertar no leitor, sinalizar, ainda que o mínimo possível, um sentimento transformador, que o leve a pensar no modelo de vida, imposto pelas regras, conceitos e paradigmas do mundo atual, instigando-o a uma revitalização da essência original do Homem. Todo esse redescobrimento do humano, impulsionado pelo amor, sentimento mais elevado da nossa natureza, conduzido pela linguagem poética. Portanto, o amor e a poesia, em todas as suas formas possíveis, servindo como luz renascedora da humanidade.

 

 

O leitor que abre “O Retorno de Bennu” se depara com trechos de diversos escritores, em prosa e poesia. Entretanto, todos os trechos parecem trazer à tona a questão dos “interstícios”(para usar um termo de Lispector), do intervalo no qual tudo se cria (como escreve Machado: “seria preciso fixar o relâmpago”) e da solidão dessa criação (“ser poeta é minha maneira de estar sozinho”, segundo Pessoa). De que maneira esses temas permeiam sua produção poética reunida neste volume?

M.C: Os trechos de outros autores ao longo do livro servem de epígrafes. Todos esses textos/epigrafes revelam uma ligação muito forte com o livro, com o conteúdo, a estética, a mensagem, tanto no sentido poético quanto no sentido material exposto pelo livro como um todo. Claro que os textos que compõem este volume também são influenciados, em forma e imagens, pelos citados autores.  Apenas o texto/epígrafe de Pessoa traduz um pouco a filosofia de vida do autor: “ser poeta é minha maneira de estar sozinho”.

 

E mais: de que maneira elas se relacionam com a marca do renascimento (essa mensagem de Bennu)?

M.C: A maioria dos textos/epigrafes são trechos de poemas, os trechos em prosa a exemplo das epígrafes de Machado de Assis, Clarice Lispector, Baudelaire e Otávio Paz, exalam um profundo e consistente teor poético; pura prosa poética. Como disse anteriormente, “O Retorno de Bennu” aponta para um renascimento da humanidade, impulsionado pelo sentimento do amor em todos os sentidos possíveis, sob a luz metafórica e transformadora da poesia. Então, se todos os textos/epigrafes possuem elevado teor poético, fica clara a relação com a mensagem que o livro busca passar para o leitor.

 

O livro divide-se em “Percepções”, “Alumbramentos”, “Confluências” e “Lampejos”. A que se deve essa divisão?

M.C: Essa divisão em forma de subtítulos seve como estrutura estética do livro. Todos os subtítulos possuem uma afinidade, ainda que subjetiva, com cada parte da obra. A mais evidente é “Percepções”, composta por cinco textos em prosa poética, sendo cada texto relacionado a um dos nossos sentidos: visão, paladar, tato, audição e olfato.

 

Como lembra Alexei Bueno, “Alumbramentos” é a única parte do livro composta completamente por versos.Como a prosa poética enriquece a poesia (e vice-versa) e o que se pode esperar dessa convivência, em um mesmo volume, em textos de um mesmo autor?

M.C: Escrever prosa é arte difícil e rara, escrever prosa poética é arte rara e mais difícil ainda. Em primeiro lugar a poesia enriquece a prosa; alcançando o texto o status  de prosa poética, esse texto em prosa ganha outra dimensão, a de poesia em prosa. Tudo é muito difícil! Acredito que dei aos textos em prosa poética, a mesma dimensão e qualidade dos poemas escritos em versos. Assim, penso, que por estarem no mesmo nível tanto os textos em prosa poética quanto os textos escritos puramente em versos, a convivência de ambos os estilos em um mesmo volume será muito natural e enriquecedora. Será uma leitura até mais agradável.

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