Entre o Vivido e o Imaginado

Renato Tardivo*

 

Afonso Segreto

No dia dezenove de junho comemorou-se mais um dia do cinema brasileiro. Trata-se da data em que foram realizadas as primeiras filmagens no Brasil. O ítalo-brasileiro Afonso Segreto fez tomadas da Baía de Guanabara em 1898.

Desde então, o cinema brasileiro foi atravessado por uma série de tendências e movimentos culturais. Muitas vezes, mais uma de tendência esteve em cartaz simultaneamente – é o caso da Pornochanchada e do Cinema Marginal.

 

 

A vista da Baía de Guanabara feita por Afonso Segreto

Recentemente notamos duas tendências majoritárias: as comédias que visam ao entretenimento em uma linguagem muito próxima da televisiva e os filmes que, sem maior pretensão de bilheteria, filmam o Brasil e o brasileiro, convocando o espectador para dentro da tela.

O cineasta Kleber Mendonça Filho destaca-se, neste segundo grupo.. Seu cinema histórico e poético centra-se em Recife – em um quarteirão, como em O Som ao Redor (2012), ou em um edifício, como em Aquarius (2015). Até agora, esses são seus dois longas.

Em O Som ao Redor, a câmera transita entre o interior (das residências e personagens) e o exterior. Dentro, “ouve-se” a imagem de fora; fora, “ouve-se” a imagem de dentro. O foco narrativo são os ruídos. A temática do filme é abordada pelo mergulho no particular.

Esse mergulho  se potencializa em Aquarius. A câmera adentra tanto o apartamento de Clara, a protagonista, como a própria personagem. Com o câncer e os cupins como pano de fundo, ambos associados à destruição, o filme aborda a questão da resistência.

Conquanto os dois filmes enquadrem um perímetro muito restrito de Recife, suas temáticas são universais. Esse trânsito de dentro para fora reflete um cinema de ficção em íntima comunicação com a realidade. Kleber Mendonça Filho filma o Brasil e propõe um resgate inovador da História. Seu cinema de ficção comunica algo novo ao habitar a linha tênue, quase invisível, entre o vivido e o imaginado.

*Renato Tardivo é psicanalista e escritor. Doutor em Psicologia Social da Arte (USP). Autor, entre outros, do ensaio Porvir que vem antes de tudo – literatura e cinema em Lavoura Arcaica  (Ateliê/Fapesp) e do livro de poemas Girassol Voltado Para a Terra (Ateliê). 

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