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Sugestões de leitura para o Cancioneiro, de Petrarca (primeira parte)

O Cancioneiro, de Petrarca, é um livro do século XIV. Apesar de ser considerado o principal modelo de poesia lírica amorosa no Ocidente, a distância que nos separa deste clássico – que a Ateliê lançou com a tradução de José Clemente Pozenato e ilustrações de Enio Squeff em 2015 – muita vezes dificulta sua leitura.

Foi pensando nisso que, a partir de hoje e nas próximas quatro semanas, vamos publicar aqui no Blog da Ateliê algumas sugestões de como tornar a leitura do Cancioneiro mais aprazível e próxima do leitor do século XXI. O texto Sugestões para um leitor de hoje que queira ler o “Cancioneiro” de Petrarca é do  poeta, crítico de arte e ensaísta brasileiro Armindo Trevisan.

“Sempre me interessei pela poesia de Petrarca. Não sou um entendido nela, mas um leitor apaixonado por ela. Escrevi este texto inspirado na  excelência da tradução do Pozenato, visto que que um leitor capaz de degustar o original italiano,  não precisa recorrer à versão esplêndida que o Pozenato realizou para a língua portuguesa. Meu texto é uma homenagem afetuosa ao Pozenato, para  agradecer-lhe o serviço que prestou à Cultura Brasileira. Não é admirável que um autor – do gabarito do Pozenato – dedique cinco anos a uma tarefa de tal envergadura?”, pergunta o autor, antes de iniciar suas sugestões:

cancioneiro
Capa da edição do Cancioneiro, que concorreu ao Prêmio Jabuti de tradução

Primeira Sugestão:

Siga ao pé da letra o conselho de Roland Barthes: deleite-se, primeiramente, com o prazer do texto. Na medida do possível – e do razoável – esqueça o que lhe ensinaram sobre os Clássicos, sobre sua perenidade, sobre o que teriam sido, ou poderiam ter sido. Ponha entre parênteses as elucubrações de historiadores da literatura e críticos. Seja você mesmo: saboreie o texto, o texto nu, a poesia de Petrarca na sua esplendorosa e erótica nudez de mulher que saiu do banho. Afaste de si as sutilezas de teóricos que tendem a considerar você um pobre diabo! Tenha auto-estima; diga-lhes que você é capaz de ler um grande clássico. mesmo que ele seja um gigante, e você um pigmeu.

 

 

Segunda Sugestão:

Agradeça ao ficcionista e poeta José Clemente Pozenato por ter traduzido essa obra-prima da literatura italiana, a maior de todas depois da Divina Comédia – ou melhor, ao lado dela. Agradeça-lhe o imenso serviço que prestou à literatura de língua portuguesa. Lembre-se de que, pela primeira vez em nosso idioma, alguém pode ler o Cancioneiro como ele é – ou como Petrarca teria apreciado que o lessem, se falasse a nossa língua. Antes de o Pozenato verter seus versos para nossos ouvidos – sim, principalmente para nossos ouvidos, uma vez que, no tempo de Petrarca, Gutenberg não havia inventado a imprensa – existia um hábito entre os medievais que praticamente esquecemos: a leitura em voz alta. Atente nisto: a tradução de Pozenato não só é uma recriação verbal de alta excelência, mas principalmente, constitui um esforço de invenção acústica a partir de uma criação melódica insuperável. Pozenato conseguiu quase sempre, diria gentilmente: sempre,  transpô-la para o português preservando-lhe a melodia de nascença. Cá e lá, o tradutor foi obrigado a recorrer a algumas jóias guardadas nos baús de cedro de nossos dicionários antigos, como o substantivo “louçania” e o adjetivo “loução”. Como manter em toda a versão, sem quebra de tensão e agrado, o tilintar saboroso das rimas? Lembre-se que boa parte do gosto de uma iguaria provém de seus condimentos. Na primeira vez que provamos determinado prato, podemos não apreciá-lo totalmente. Com o tempo, verificamos que seu sabor tornou-se para nós mais delicioso.

Nesta altura, não considero inoportuno referir a você um episódio pessoal: em 1960, tentei pela primeira vez ler o Cancioneiro na sua versão original. Vi logo que não possuía vocabulário suficiente para tal aventura, tampouco argúcia e finura para apreender os requebros lexicais e sintáticos de seu autor. Anos depois, aventurei-me novamente a ler o Poeta. Fiquei sempre com a sensação de o ter lido pela metade. Com a tradução do Pozenato, pude realizar uma leitura cuidadosamente bilíngue. Só então avaliei, com a devida justiça, o trabalho do tradutor! Ele será lembrado, em nossa terra, pelo apreciadores da grande literatura!

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