Em entrevista, Cid Campos fala sobre o álbum ‘Poesia é Risco’ e do livro ‘VIVAVAIA’: “As músicas que componho estão o tempo todo em diálogo fluente com a poesia”

Sempre foi um prazer enorme trabalhar junto a meu pai. Tivemos um encontro muito harmonioso e produtivo dentro do estúdio. Seguimos desde os anos de 1980 até os dias de hoje com inúmeros projetos. Além de participar de todos os meus discos com seus poemas ou traduções, Augusto fez praticamente todas as capas e encartes, além de belíssimas oralizações.

O poeta, ensaísta e tradutor Augusto de Campos será o “artista em destaque” deste ano na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que ocorre entre os dias 22 e 26 de novembro, no litoral fluminense. A organização do evento descreveu: “com segurança, que ele é o poeta vivo mais importante de seu tempo”. E acrescentou: “a homenagem a Augusto de Campos também é reveladora das possibilidades de atuação para a atividade intelectual incessante e corajosa do crítico, do poeta e do estudioso-leitor apaixonado, quando se são todas essas personas em uma”. Para celebrar essa grande homenagem, a Ateliê Editorial reedita a obra VIVAVAIA, que estava fora de catálogo desde 2018. O livro entra primeiro em PRÉ-VENDA no site da editora, com desconto especial (De: R$298,00 – Por: R$199,00) e seu lançamento oficial acontece durante a festa literária em Paraty.

Com projeto gráfico do artista Julio Plaza (1937-2003), a nova edição traz também encartado um CD com quinze dos poemas que pertencem ao livro. Dez dessas músicas fazem parte do álbum Poesia É Risco, lançado em 1995, com arranjos musicais e sonorização de Cid Campos, filho do poeta: “A essas produções, Cid, que vem revelando extraordinária sensibilidade para responder à provocação sonora de poemas aparentemente inviáveis ao tratamento musical, me sugeriu adicionar mais cinco, inéditas, com poemas também abrangidos pela antologia. Reconstitui-se, dessa forma, algo que se perdera na segunda edição: a dimensão ‘verbivocovisual’ desde o início almejada pelo projeto concretista”, apontou Augusto de Campos. Nas faixas do álbum estão musicados, entre outros, os poemas ‘Rever’, ‘Ovonovelo’, ‘Cidade city’, ‘O anti-ruído’ e ‘O quasar’.

Augusto de Campos

A antologia abrange três décadas, de 1949 a 1979, de trabalho literário do poeta, como os títulos O Rei Menos O Reino (1949-1951), livro de estreia de Augusto de Campos, em que apresenta o emprego do poeta ao som, aspecto importante do projeto verbivocovisual defendido no Plano Piloto para Poesia Concreta, publicado em 1958 na revista Noigandres. Outras obras que marcaram a carreira concretista de Augusto de Campos estão presentes na obra, como POETAMENOS (jan-jul 1953); OVONOVELO (1954-1960); CIDADE ACASO LUXO (1963-1965); POPCRETOS (1964-1966); PROFILOGRAMAS (1966-1974) e ENIGMAGENS (1973-1977). Segundo Augusto de Campos: “Esta coletânea da minha poesia, abrangendo três décadas, teve sua primeira publicação em 1979 com a chancela da editora Duas Cidades. Até então, meus poemas só haviam aparecido em livro em publicações de autor. Houve uma segunda edição em 1986, pela Editora Brasiliense. A edição que agora oferece ao público a Ateliê Editorial é, de todas, a mais completa”.

De sua vasta trajetória, encontram-se no livro os famosos poemas lygia fingers, GREVE (1961), o quasar (1975), o pulsar (1975), ovonovelo, O quasar, vida (1957), luxo (1966) e PSIU! (1965), estes dois últimos, segundo o próprio poeta, recuperam a cor original. A edição da Ateliê Editorial acrescenta, em encarte, o poema-objeto LINGUAVIAGEM, que foi publicado como peça autônoma em 1970. Augusto também explicou que a antologia devolve a impressão cromática a alguns poemas como os ‘popcretos’, ‘SS’, ‘O ANTI-RUÍDO’, ‘GOLDwEATER’, que foram expostos na Galeria Atrium em 1964 juntamente com os quadros-objetos de Waldemar Cordeiro. Já em ‘OLHO POR OLHO’ (1964), por causa do restauro digital, percebe-se com todas as cores e com maior legibilidade, assim, apontando os sinais que denunciavam o golpe militar.

Para o editor e professor Plinio Martins Filho, fundador da Ateliê Editorial, publicar VIVAVAIA “é uma enorme honra, inclusive diversas editoras grandes quiseram publicar esse livro, mas Augusto preferiu ficar com a gente”. Ele disse também: “no lado pessoal, conheço Augusto desde quando eu trabalhava na Perspectiva, tornando-se uma amizade de longa data. Por ser um grande poeta e tendo VIVAVAIA o seu livro mais importante da carreira, para a editora é um prazer ter no catálogo essa obra de um dos fundadores do Concretismo”.

ENTREVISTA COM CID CAMPOS

Cid Campos é músico e produtor musical. Dedica-se a projetos musicais interdisciplinares, marcados pelo experimentalismo. Nos anos 1990, fundou o MC2 Studio, onde desenvolve trilhas sonoras para filmes, vídeos, balés, instalações e espetáculos multimídia. Seus primeiros CDs associaram música e tratamento sonoro à leitura de poemas, como Poesia é risco (1995) e Ouvindo Oswald (1999) — ambos em colaboração com seu pai, Augusto de Campos.

Em No Lago do Olho (2001), primeiro álbum dedicado integralmente às suas composições, a experiência da poesia-música com Augusto de Campos se ampliou, desembocando no segundo disco-solo, Fala da Palavra (2004). Em 2004, criou também o espetáculo multimídia Poemix BR, com os poetas Arnaldo Antunes, Walter Silveira, Lenora de Barros e João Bandeira, e o videomaker Grima Grimaldi.

Em 2009, lançou o CD infantil Crianças Crionças, com show poético-musical-teatral. Além das apresentações de espetáculos verbivocovisuais, vem realizando aulas-shows e work-shows com tecnologia de ponta, como Poemúsica (2010), ao lado de Augusto de Campos e Adriana Calcanhotto. Vive e trabalha em São Paulo. Leia abaixo uma entrevista exclusiva com Cid Campos:

PERGUNTA – Qual a importância do retorno da obra e do álbum ‘Poesia é Risco’ para a atualidade?

CID CAMPOS – Na verdade o CD Poesia é Risco sempre esteve presente. Na minha opinião, um trabalho atemporal, que se mantém atualizado, por se tratar de um disco experimental, antológico, onde apresentamos oralizações de poemas e traduções emblemáticas de Augusto de Campos, acrescidas de minha música e tratamento sonoro. Desde a sua primeira versão em 1995 (Polygram), o disco segue até os dias de hoje em edições realizadas 2011 e 2019 pelo Selo Sesc. Como grande parte dos poemas de Poesia é Risco encontram-se no livro VIVAVAIA, resolvemos, em 2001, encartar no livro um CD com essas faixas, acrescidas de três inéditas: Salto, Uma Vez e O Anti-ruido. Na primeira edição do livro está o compacto com os poemas Dias, dias, dias e O pulsar, de Augusto de Campos, com musicalização e interpretação de Caetano Veloso.

PERGUNTA – Como foi o processo de musicar os quinze poemas que estão no álbum?

CID CAMPOS – O processo de composição de algumas dessas músicas aconteceu ainda no final dos anos de 1980 e acabou se intensificando quando montei em 1991 O MC2 Studio, com equipamento digital de ponta, em São Paulo. Lá pudemos fazer inúmeras experiências com as oralizações não só de Augusto, mas como de Décio Pignatari, Haroldo de Campos e muitos outros. Sempre gostei muito do desafio de trazer à música textos não elaborados para esse fim. Acabei me especializando nesse tipo específico de musicalização. De lá para cá esse processo tem continuidade nos meus discos No Lago do Olho (2001), Fala da Palavra (2004), Crianças Crionças (2009), Nem (2014), O Inferno de Wall Street (2015), Emily (2017), Entredados (2022) e O Tempo nos foge (2023), além de outros como Ouvindo Oswald (2022) – sobre poemas Oswald de Andrade lidos por ele, Augusto, Haroldo, Décio e outros convidados.

PERGUNTA – Como é para você trabalhar poética e musicalmente com o seu pai, o poeta Augusto de Campos?

CID CAMPOS – Sempre foi um prazer enorme trabalhar junto a meu pai. Tivemos um encontro muito harmonioso e produtivo dentro do estúdio. Seguimos desde os anos de 1980 até os dias de hoje com inúmeros projetos. Além de participar de todos os meus discos com seus poemas ou traduções, Augusto fez praticamente todas as capas e encartes, além de belíssimas oralizações. Um trabalho mais recente numa linha que dialoga muito com Poesia é Risco e VIVAVAIA é Entredados, lançado em 2022, em livro CD, pela Editora Laranja Original. Esse livro/disco é composto na totalidade por oralizações de Augusto por mim musicadas.

PERGUNTA – Cid, para você, quando a música entra em sintonia com a poesia, principalmente, no desenvolvimento do álbum?

CID CAMPOS – As músicas que componho estão o tempo todo em diálogo fluente com a poesia. Musicapoesia se abraça numa troca sincera e profunda, onde a livre exploratória musical se aplica a textos incomuns, tornando-se assim a principal marca desse trabalho.

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