Uma ação aberta, “sem dono”. É assim que Paulo Tadeu,
proprietário da Matrix Editora,
define a campanha #vempralivraria, lançada em junho com o objetivo de alertar
as pessoas para a importância da manutenção das livrarias para o mercado
editorial brasileiro. “As peças são livres para serem postadas por qualquer
pessoa. Para participar, basta compartilhar a imagem, usar a hashtag e, claro,
ir a uma livraria para comprar um livro”, completa.
O mercado editorial e as livrarias tornaram-se assuntos
frequentes no fim de 2018, quando a informação sobre a recuperação
judicial pedida pelas livrarias Saraiva e Cultura e o fechamento de lojas
da Saraiva por todo o Brasil tomou os noticiários. O grande público, então,
começou a conhecer melhor a realidade do mercado editorial brasileiro, que vem
passando por um momento de enxugamento. A carta
que Luiz Schwarcz postou no Blog da Companhia das Letras – uma das maiores
e mais sólidas editoras do país – também mobilizou não só leitores assíduos,
como também eventuais. O resultado foi um Natal em que muita gente optou por “dar
livros de presente”, porque o alerta da crise havia sensibilizado consumidores.
“O Alencar (Perdigão, livreiro da Livraria
Quixote, em Belo Horizonte) me informou que a livraria recebeu novos
clientes e que recuperou outros. Que aquele havia sido o melhor Natal dos
últimos oito anos”, conta Pedro Queiroz, diretor da Editora GG, que havia ido a Minas Gerais.
Mas, aquele momento parecia estar passando e Queiroz resolveu
tentar reavivá-lo. Telefonou, do aeroporto mineiro, para Paulo Tadeu, e falou
com ele sobre uma iniciativa para reacender o interesse pelos livros. Assim
nasceu a campanha #vempralivraria, que tem como objetivo chamar a atenção do
público para a importância cultural de livros e livrarias. “Livro é para a gente
aprender, se divertir, dar de presente. Comprar é o mais importante”, afirma
Paulo Tadeu.
Ele considera que a concorrência é estimulante, pois leva
empresas a adotarem novas e diferentes práticas. Em sua opinião, há espaço
tanto para livrarias físicas quanto para o e-commerce. “Desejamos todos vida
longa às livrarias. A campanha não tem métrica, não tem meta. Que seja um
mantra. Nota não somos uma associação nem temos uma estrutura. Temos a boa
intenção de colaborar e assim colaboramos… esperando que mais possam
colaborar”, diz Queiroz.
Agora, a Ateliê Editorial se junta a essa campanha e convida você, que está lendo este texto, a fazer o mesmo, fazendo posts no whatsapp, republicando as artes da campanha (que estão ao longo deste post) nas redes sociais e, claro, comprando livros. #vempralivraria
Abdulbaset Jarour tem apenas 29 anos, mas uma história de
vida inspiradora e cheia de experiências. Em 2014 imigrou para o Brasil e aqui
reconstruiu sua vida, tornando-se ativista pelos direitos dos refugiados e
imigrantes.
Nascido em Alepo, a maior cidade da Síria, é filho de uma
família grande: tem cinco irmãs e um irmão. Até 2009, quando tinha 19 anos, levava
uma vida tranquila, como a de qualquer jovem de sua idade. Estudava, trabalhava
e tinha planos de fazer faculdade de administração de empresas. Conseguiu
licença do exército para continuar estudando mas, no ano seguinte, junto com os
primeiros movimentos da Primavera Árabe, Abdul foi servir o exército. “Até 2011 não tinha guerra, vivíamos em paz”,
relembra. Nesse ano, entretanto, aconteceram manifestações,
pedindo mais liberdade na Síria. Quatro pessoas foram mortas pelo regime de
Bashar al-Assad em Deraa e os conflitos começaram a se espalhar pelo território
sírio, chegando a Alepo.
Abdulbaset Jarour
“Os conflitos pioravam a cada dia”, lembra Abdul. Ele foi
obrigado pelo governo a permanecer no exército – que servia compulsoriamente,
como acontece no Brasil – até que os conflitos acabassem. “Se eu fugisse, seria considerado desertor,
poderia ser perseguido e morto”, afirma.
Tornou-se motorista de um general do exército, perdeu amigos na guerra. Em 5 de
março de 2013, em um ataque na cidade de Damasco, foi ferido na perna. Mas, ao
sair do hospital, teve de voltar ao exército. Então, decidiu sair da Síria.
Passou dois meses no Líbano e começou a pensar em morar longe dali, em países
como o Canadá ou a Austrália. Foi então que soube que o Brasil estava liberando
visto humanitário. Comprou as passagens de ida e volta (pois temia não se
adaptar por aqui). “A gente não tinha informação de que o Brasil fosse um lugar
bom para recomeçar a vida. Nossos antepassados vinham para a América do Sul no
tempo das Guerras, mas não conhecíamos nada”, afirma.
Mas, mesmo sendo um destino desconhecido, o Brasil reservava
boas surpresas para Abdul. “Quando cheguei aqui, minha vida mudou”, diz ele.
Não que ele tenha encontrado fartura ou facilidade. “As pessoas diziam que eu
tinha que me virar e eu achava estranho não ter acolhimento, mesmo tendo um
visto humanitário. Eu sofri porque não sabia falar a língua e quase ninguém
aqui falava inglês; eu não sabia nem onde era a Polícia Federal para ter
documentação. Não tinha onde dormir nem trabalho. Me senti perdido, desanimei”,
relembra.
No Brasil, aprendeu português em poucos meses sozinho. Conheceu
africanos e árabes, começou a trabalhar e empreender: iniciou um hostel com um
sócio para o público árabe. O negócio não deu certo, a saúde de Abdul se
fragilizou; seu pai e seu cunhado morreram em um ataque em território sírio. Mas, ele começou
a se envolver com projetos para refugiados: o Sarau dos Refugiados e a Copa dos
Refugiados (no torneio, ficou responsável pelo time da Síria). Trabalhou como
tradutor voluntário, começou a fazer palestras sobre sua história, trajetória e
a cultura árabe. Tornou-se tema de reportagens e documentários e, em 2018,
recebeu um convite da Fundação Caritas, de São Paulo, para participar da novela
Órfãos da Terra. “Compartilhei minha história com Thelma Guedes
(autora de livros como Pagu, Literatura e Revolução) e Duca
Rachid. Fui convidado a dar um workshop para a equipe, participei da abertura e
ajudei a convidar pessoas ilustres da comunidade árabe para participarem da
novela”, conta orgulhoso.
Em 2019, conseguiu mais uma proeza: trazer, para o Brasil, sua mãe, seu irmão e uma de suas irmãs. Agora, eles vivem juntos em São Paulo.
Quer saber mais uma história sobre imigração? Conheça Yaser.
Primeiro volume da série “A Trilogia da Invisibilidade”, livro de Rodrigo Suzuki Cintra reúne poemas que são metáforas da invisibilidade, criando, nas palavras do autor, sentimentos e percepções que estão por trás das palavras. “Para mim, a poesia é a arte de fabricar, de simular, de blefar, de criar sentimentos”, explica Cintra, que é filósofo, escritor e professor. Professor universitário, em seus artigos Cintra se debruça relações entre filosofia, política, arte e direito. A seguir, ele fala ao Blog da Ateliê sobre sua estreia na poesia.
Qual a razão do título Geometrias de Cosmos, já que “O homem invisível é um geômetra”?
Rodrigo Suzuki
Cintra: Exatamente pelo fato do homem invisível ser um
geômetra, e eu ser esse homem, que eu pude escrever um livro intitulado
“Geometrias”! O título se refere ao meu modo de fazer poemas.
Penso no espaço das palavras no papel, na inversão de sentidos dos
termos, em métricas improváveis que obedecem a regras que só eu posso ver, em
rimas que se prolongam em expressões, qual equações, para fora do texto. Meu
livro é um exagero de cálculo. Só que ele não pode matematizar sentimentos; esses
estão para além das coordenadas e abscissas do mundo físico que habitamos. Os
sentimentos que me interessam, que permeiam o “Geometrias de Cosmos”, estão no
tempo da delicadeza, na sombra que o sol produz em uma flor.
O livro é o primeiro volume de
uma série. Os outros volumes desta série já estão escritos? Qual o mote ou o
fio condutor que ligará os volumes?
RSC: A série
tem o seguinte título: “A Trilogia da Invisibilidade”. O volume “Geometrias de
Cosmos” é o primeiro a ser publicado em formato livro. O segundo está sendo
publicado em paralelo na internet com o título “A Galeria Invisível” e, por
enquanto, está disponível no meu Blog (Blog do Rodrigo Suzuki Cintra) e no site da Revista
Zagaia. O terceiro componente do projeto é um livro de
ensaios, alguns deles já veiculados em revistas de literatura e jornais (Revista Sibila e jornal Valor Econômico).
O projeto “A Galeria Invisível” corresponde a um conjunto de ekphrasis de obras dadaístas e
surrealistas. O exercício é de exatidão na descrição das obras de arte,
conforme as regras da antiga técnica grega (ekphrasis),
só que com o traçado, ritmo e imaginação próprios do dada e do surrealismo.
Infelizmente, para a fruição correta do projeto, é preciso ter as obras em
mente, com suas imagens juntas ao texto, para lermos seus capítulos. Como os
direitos autorais somam montante vultoso, não é possível ainda no momento,
publicar em formato livro esse exercício de escrita.
O mote central a conectar os três textos é a metáfora da invisibilidade.
No “Geometrias de Cosmos”, trata-se de criar sentimentos e percepções que estão
por trás das palavras. No “A Galeria Invisível”, inventar sentidos e
significados que estão por trás das imagens. E, no livro de ensaios, fabricar
conceitos nas lacunas de outros conceitos.
Rodrigo Suzuki Cintra
De que maneira sua formação em
filosofia influencia em seu fazer poético?
RSC: Deleuze e
Guattari, no livro “O que é a filosofia?”, dizem que “a filosofia é a arte de
formar, de inventar, de fabricar conceitos.” Pois bem. Para mim, a poesia é a
arte de fabricar, de simular, de blefar, de criar sentimentos.
Estudo filosofia e arte em geral. Percebi que ambas chegam nos lugares
do conhecimento em que a razão e a emoção dão sentido a nossa existência. Mas,
o que mais me influenciou, vindo de formação filosófica no estilo uspiano, foi
um rigor na utilização das palavras.
No poema “O Delírio de Renatus Cartesius”, ou seja, a alucinação de René
Descartes, que por sinal, além de filósofo foi matemático geômetra, tento
filosofar, de maneira jocosa sobre o famoso cogito
cartesiano, mas, se por um lado, respeito às palavras profundamente, como
aprendi nos bancos da faculdade de filosofia, por outro lado, proponho que
tenham significados escondidos nas sombras de sua enunciação.
Este é seu primeiro livro de poesia,
certo? Quais foram os desafios para escrevê-lo?
RSC: Publiquei
livros acadêmicos antes desse novo projeto. Os desafios são bem diferentes dos
que sempre enfrentei, quando o caso foi de escrever poemas:
Encontrar tempo livre para a composição.
A cada poema enfrentar, vez por vez, a angústia da folha em branco
(começar sempre do zero).
Escrever é reescrever. Isso pode ir ao infinito para os caprichosos e
maníacos. Foi preciso aprender a fazer nascer o poema e depois enterrá-lo
(nunca mais tocar e modificar o que já foi escrito e revisado). Existe toda uma
arte para saber começar e, depois, em saber quando parar no fazer poético.
Admitir, em algum momento, que a gente só é escritor se publica
efetivamente aquele antigo projeto… Ou seja, sair da zona de invisibilidade.
Na abertura do livro, há uma imagem
de Newton, de Blake. Além disso, há toda uma seção do livro chamada
Shakespeariana e uma citação de Poe, que abre o volume. Qual sua ligação com a
língua inglesa e a literatura produzida por anglófonos?
RSC: A citação
que abre o “Geometrias de Cosmos” é de E. A. Poe, uma tradução que fiz do poema
“A dream within a dream” (Um sonho dentro de um sonho). Coloquei como epígrafe
de todo o livro porque acredito que propicia uma tonalidade existencial, certa
propensão, que muito me agrada induzir no leitor logo nas primeiras páginas. Se
é verdade que a presença de autores de língua inglesa se faz notar com
evidência, admito que a angustia da influência é maior ainda. Existe um poema
intitulado “Assemblage nº0” no livro, por exemplo, que tenta criar significado
a partir da Divina Comédia, de Dante
(italiano) e de Um Lance de Dados, de
Mallarmé (francês). Na verdade, é quase que como uma proposta intermediária de
dois modos de fazer poesia.
Mas, de volta a pergunta, minha relação com a literatura inglesa é
intensa. Estudei a obra de Shakespeare na Universidade de Cambridge e o título
de minha tese de doutorado na USP é “Shakespeare e Maquiavel – a tragédia do
Direito e da Política”. No “Geometrias” fiz um pastiche de T. S. Eliot no poema
“O nome das mulheres”, transcriação de “O nome dos gatos”, desse autor que
gosto tanto. Estou preparando um livro de traduções minhas de poetas de língua
inglesa. Já estão na gaveta, traduzidos, alguns poemas de W. B. Yeats, W. H.
Auden, e. e. cummings, W. Blake, D. Thomas entre outros.
Há no volume a seção “Mulheres
Invisíveis”. Pode, por gentileza, falar um pouco sobre ela e como foi
idealizada?
RSC: São
poemas, propostas hipotéticas, sobre algumas mulheres que passaram por minha
história sentimental e que como estrelas passageiras, iluminaram e deram
sentido por algum tempo a minha vida, mas, depois, se apagaram e desapareceram
na escuridão de minha existência.
O livro abre com um texto em que se
misturam sonho e vigília; com uma reflexão sobre como o tempo impacta o período
do sono. De que maneira isso se liga ao seu fazer poético (dado no trecho
final: “No invisível das palavras, quando o lado detrás das letras sugere o
sentido que o verso segredou, no compasso da escuridão que dá forma à luz, em
algum lugar entre sombras de estrelas passageiras e o brilho eterno daquele
sentimento, é o tempo da delicadeza: fundo a minha poética”)?
RSC: O livro começa na capa e termina
na quarta-capa. Foi pensado em sua completude. Não é apanhado de poemas, ele se
quer obra. Os dois textos de
abertura dos poemas, “O Tempo desses Poemas” e “O Espaço desses Poemas”, são
prosas poéticas, escritas do meu jeito.
Agora, a reflexão entre sonho e
vigília tem um motivo crepuscular. Somente escrevo de madrugada. É uma regra de
composição. E, como podem ler no meu livro, uma boa regra para a leitura.
Estou mais vulnerável de
madrugada, geralmente. Devia estar dormindo após o dia de trabalho, mas, é um
excelente momento para sonhar as ilusões mais soltas. Dormir enquanto se está
sonhando, me parece, nessas horas, um verdadeiro desperdício.
O fazer poético que proclamo, seguindo a pergunta enunciada, poderia ser o de olhar para o céu e ver as estrelas ao meio da escuridão da noite. Prefiro olhar para dentro, na escuridão de meus abismos, e encontrar alguns brilhos, mesmo que de estrelas passageiras. Daí…, começo a escrever.
Para comemorar os 220 anos de Puchkin, o Blog da Ateliê republica um texto de Irineu Franco Perpétuo escrito para O Estado de São Paulo*.
Uma das obras fundamentais da literatura russa, ‘Eugênio Onêguin’ é um desafio para tradutores e até Vladimir Nabokov sofreu para verter o livro
Irineu Franco Perpetuo*, Especial para o Estado
A pedra de toque da literatura russa está chegando ao Brasil pela metade. A Ateliê Editorial acaba de lançar o primeiro volume do seminal romance em versos Eugênio Onêguin, de Puchkin, em cuidadosa tradução de Alípio Correia de Franca Neto e Elena Vássina, uma edição bilíngue com o mais luxuoso revisor que qualquer livro dessa área poderia ter: o pai fundador dos estudos de russo no Brasil, e maior tradutor que já houve desse idioma para o português, Boris Schnaiderman (1917-2016).
Isso significa que temos os quatro primeiros dos oito capítulos do romance – a apresentação do personagem-título, a carta em que Tatiana se declara a ele e a posterior rejeição de Onêguin, com a ação interrompida às vésperas da funesta comemoração do dia do santo da moça. Felizmente, está prometido um segundo volume, que deve trazer não apenas a conclusão da obra, como apêndices com variantes do texto, a célebre e descartada Viagem de Onêguin, ensaios sobre a obra e um texto no qual os tradutores explicam os princípios teóricos e técnicas que nortearam suas escolhas.
Aleksandr Puchkin
Descendente de africanos, morto prematuramente em um duelo, Aleksandr Puchkin (1799-1837) é o caso mais flagrante de desequilíbrio na recepção literária de um escritor em sua terra natal e no Brasil. Se, por aqui, ele é bem menos reconhecido e festejado do que autores como Dostoievski, Tolstoi e Chekhov, na Rússia é objeto de culto e veneração – o “sol da poesia russa”, de importância equivalente a Shakespeare para os ingleses, Goethe para os alemães, Dante para os italianos, Camões e Cervantes para os ibéricos. “Puchkin é nosso tudo”, cravou o literato Apollon Grigoriev (1822-1864), em frase constantemente citada. Uma boa dimensão do peso e do significado de Puchkin para a cultura russa é dado no romance Parque Cultural, lançado no Brasil pela editora Kalinka, no qual Serguei Dovlatov (1941-1990) descreve, com ironia mordaz, sua experiência como guia de um parque temático inteiramente dedicado ao autor de Eugênio Onêguin.
Um dos motivos para a discrepância entre o reconhecimento de Puchkin na Rússia e fora dela é o fato de parte substancial de sua obra estar em versos, sempre mais difíceis de manterem a força ao serem vertidos para línguas estrangeiras. É o caso, por exemplo, de Onêguin, definido pelo crítico Vissarion Bielinski (1811-1848) como “enciclopédia da vida russa”, custando ao autor nove anos de trabalho. Em uma célebre análise, Roman Jakobson (1896-1982) disse que “cada imagem de Púchkin é de uma polissemia tão elástica, e de uma capacidade assimilatória tão espantosa, que ela se insere facilmente nos mais variados contextos”.
Embora tenha inspirado espetáculos de dança de John Cranko e Deborah Colker, um longa-metragem de Ralph Fiennes e a mais bela ópera de Tchaikovski, o romance em versos vem constituindo um desafio ingrato para tradutores de todos os idiomas. O mais monumental fracasso foi o de Vladimir Nabokov, perfeitamente bilíngue, que empreendeu uma monumental versão da obra para o inglês, cujas notas de rodapé e comentários ocupam mais de mil páginas – o tripo do texto traduzido. Com uma abordagem literalista, abrindo mão dos aspectos poéticos da obra, Nabokov realiza uma verdadeira “autópsia” do texto, indispensável aos estudiosos de Puchkin, mas sua tradução passa muito longe de recriar o encanto e a musicalidade propiciados pela leitura do original.
No Brasil, a Record lançou, em 2010, uma versão de Dário Moreira de Castro Alves, recebida com pouco alarde. Para ilustrar as diferenças entre aquela edição e a atual, reproduzimos o mesmo trecho da missiva de Tatiana a Onêguin.
Na tradução anterior: “Mal tu entrastes, conheci./E a desmaiar, por dentro ardia,/Há de ser ele, já pensava!/Não é verdade que eu ouvia/Em plena calma o teu falar:/Quando eu aos pobres assistia/E, orando, alívio então pedia/Contra a angústia a me agitar?” E na versão nova: “Mal você entrou, soube de olhá-lo,/Senti calor, senti um abalo,/E disse mentalmente: ‘Ei-lo’/Não foi verdade?, eu escutá-lo?/Ter-me falado na quietude,/Ao dar aos pobres um regalo/E orar para ter algum final o/Anseio da alma na inquietude?”
Ricamente anotada, a tradução de Correia e Vássina compartilha reflexões trazidas por Nabokov e pelo minucioso estudo realizado pelo semioticista Iuri Lotman (1922-1993). Resta torcer para que o lançamento do segundo volume não tarde, para que os leitores brasileiros possam desfrutar da obra-prima de Púchkin na íntegra.