CiDADE SOLLITARIA

Tiago Abreu

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Meu simulacro do instante é a pomba bêbada

Que atravessa terras e encruzilhadas

Bico de guerra, corpo ferido de chagas abertas

Devorando ávida bitucas e migalhas

Rói estrada como entulho, trata lixo como prata.

Seu voo não tem glamour

É lento e preguiçoso

Não alça nada, sem ares nem arcos, nem mesmo nuvens

E volta depressa ao solo viscoso

Vida encardida essa emplumada cria urbana

Suas penas cinzentas não aspiram nada

Nem liberdade, nem os céus, nem migrar para o sul como os patos. Nada.

Fica plena e contente no meio da sujeira.

Mas seu canto contínuo e monótono gorgoleja sem parar

Toda a verdade metropolitana da cidade:

Cada fraco tem o governo que merece

Cada forte, se pobre e ousado, de morte matada eventualmente padece.

Então totem, por favor atenda o pedido desse humilde filho do mesmo ninho e ovo

Despeja tua benção quente e branca nos ternos mais caros e no carrão mais novo.

Lembra que todo esse lixo é minha oferenda pra você.

Se a ruína da minha espécie é o banquete da sua

Se ao gordo nada importa, compete ou compele à rua

Aceita esse planeta em seu sacrifício, espalhe suas penas sobre a usura

Voe na ganância apática – esse novo vício – e cague sem dó em seus guardas e chuvas.

E não me venha com “nuncas mais” feito teu primo de cor

Porque já não caímos nessa, nos acostumamos com o pior.

Tiago Abreu é historiador  formado pela PUC-SP e trabalha como educador de todas as áreas das ciências humanas. Desde 2004 coordena e participa do coletivo de arte e grupo de estudos NeoMitoSofia , que tem por objetivo interelacionar histórias em quadrinhos e diversos desdobramentos da arte contemporânea com a filosofia. Atualmente também tem atuado como colaborador da Revista Córrego, como escritor de crônicas, artigos e poesias.

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