Leia um trecho sobre a geologia em ‘Os Sertões’, por Leopoldo Bernucci

Comemorando os 120 anos da sua publicação, Ateliê Editorial lança a 6a edição de Os Sertões, de Euclides da Cunha, com aparato crítico do Prof. Leopoldo Bernucci, reconhecidamente o melhor estudo dessa obra-prima. Edição com a ortografia atualizada, com revisão e acréscimos do Prof. Bernucci, contando, ainda, com as ilustrações do artista plástico Enio Squeff. A obra está em pré-venda no site da Ateliê Editorial (acesse aqui). Leia um trecho do prefácio da nova edição, em que Bernucci destaca a geologia descrita por Euclides da Cunha para o livro:

No caso da Geologia, por exemplo, cujo discurso é predominante e serve para a abertura de Os Sertões, notamos que constitui a base ou a fundação da estrutura do livro. É o marco também para onde tudo parece convergir, como se na possibilidade de uma rocha imantada ela atraísse para si todos os seixos ao seu redor. Nesse livro, a presença da linguagem geológica se faz de modo tão ostensivo que, ao ser utilizada pela primeira vez, não deixará de despontar novamente, para ressurgir uma vez mais, alternando-se sempre com as outras. Não seria nenhum exagero afirmar que essa mesma linguagem-mestra, como pedra fundamental na construção de Os Sertões, é a favorita do nosso Autor, que, aliás, até mesmo chegou a esmiuçá-la numa apreciação crítica da poesia de Vicente de Carvalho.

Este comentário iluminador do Autor, porquanto lança luz à própria poética narrativa de Os Sertões, contém premissas e análises que se enquadram com perfeição no caso de Euclides. Ele que, metalinguisticamente, discorreu muito pouco sobre as construções e as técnicas de sua escritura, fê-lo de modo mais frequente com respeito a outros escritores, num escrutínio que sempre pareceu ser uma forma velada também de autoanálise ou autodefinição das regras de compor. Vejamos, então, como se operam esses juízos críticos nas suas apreciações sobre o “poeta do mar”.

Para enfatizar ainda mais esse aspecto, o Autor desconstrói o próprio método das ciências, problematizando os esforços científicos que, ao teorizar sobre um dado fenômeno da natureza, terminam simplificando o seu complexo mecanismo. Vai mais longe, porém, o seu olhar indagador ao notar a proliferação de fórmulas algébricas e incontáveis silogismos, bem como pressupostos apoiados em leis arbitrárias ou contraditórias às quais se submetem a Álgebra e a Mecânica. Demonstra ainda como na Astronomia, na Física e na Físico-química se consubstanciam natureza tangível e natureza ideal, realismo e sonho. Tudo isso, é certo, tem o efeito de já ir comprovando quão instáveis são as teorias e as chamadas verdades estáticas produzidas pelas ciências, e os danos que divisões compartimentadas do saber podem acarretar, quando se procura definir as noções de cientificismo e idealismo.

Leopoldo Bernucci atualmente é professor na University of California-Davis, localizada em Davis, California (USA). Depois de se formar em Letras pela USP em 1976, Leopoldo trabalhou dois anos mais no setor administrativo, sem perder de vista a perspectiva de poder estudar literatura hispano-americana nos Estados Unidos. Solicitou a sua admissão à Universidade de Michigan para o programa de mestrado. O objetivo era estudar com o professor chileno, Cedomil Goic, radicado nos Estados Unidos. Deixou o Brasil em 1978. Euclidianista reconhecido internacionalmente, Leopoldo Bernucci ocupa a cátedra Russel F. and Jean H. Fiddyment de Estudos Latino-americanos na University of California-Davis, onde leciona literaturas brasileira e hispano-americana. Principais obras: edição comentada de Os Sertões (Ateliê Editorial, 2018), A Imitação dos Sentidos (Edusp, 1995), Discurso, Ciência e Controvérsia em Euclides da Cunha (Edusp, 2008) e Paraíso Suspeito: A Voragem Amazônica (Edusp. 2017).

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