Centenário de José Craveirinha: leia um trecho da entrevista com o poeta moçambicano presente no livro ‘Angola e Moçambique – Experiência Colonial e Territórios Literários’, de Rita Chaves

José Craveirinha

O último dia 28 de maio foi marcado pelo centenário do poeta moçambicano José Craveirinha. Considerado o maior poeta do país, José Craveirinha também foi jornalista, cronista, contista e romancista. Um dos pioneiros africanos do movimento Negritude, seus textos abordam questões como o racismo e a dominação colonial portuguesa de Moçambique. 

No ano de 1997, Craveirinha recebeu o Prêmio Camões – considerado o primeiro autor africano a ganhar a honraria lusófona – e foi indicado várias vezes para o Prêmio Nobel de Literatura. O escritor e poeta morreu, aos 80 anos de idade, em Joanesburgo, na África do Sul, em 2003.

Na obra Angola e Moçambique – Experiência Colonial e Territórios Literários, que volta ao catálogo da editora em 2ª edição, ortografia revisada e acréscimo de novos capítulos, a professora, pesquisadora e autora Rita Chaves entrevistou, ao lado de Omar Thomaz, o poeta moçambicano José Craveirinha. Separamos alguns trechos dessa conversa – ao final da matéria – , que poderá ser lida na íntegra no livro.

Este volume reúne textos sobre a literatura dos dois maiores países africanos de colonização portuguesa. Em ambos, o passado de lutas pela emancipação é transfigurado em arte por autores que buscam a construção, quase utópica, de uma identidade nacional. A autora, professora da USP, faz análises contundentes – por exemplo, sobre a obra do angolano Manuel Rui Pepetela. Neste livro, destaca-se também uma entrevista dada por José Craveirinha, poeta que lutou pela independência de Moçambique.

TRECHOS DA ENTREVISTA COM JOSÉ CRAVEIRINHA

Pergunta: E nós sabemos que o José Craveirinha é uma espécie de régulo desse bairro. A leitura da sua obra leva-nos a conhecer um pouco dessa mitologia que explica a magia desse lugar. Mas a sua relação com o universo literário começa antes.

Resposta: Eu, muito novo, folheava Victor Hugo, lia Eça de Queirós, Zola, e gostava muito de poesia de Antero de Quental e, principalmente, Guerra Junqueira, que o meu pai gosta de declamar. Ele também dizia Camões todo. Essa vivência foi muito importante para despertar o gosto pela leitura. Eu ainda tenho aí o Soeiro Gomes daquele tempo. Os neorrealistas tiveram muita repercussão aqui. Mas depois veio aquela avalancha de brasileiros: O Cacau e o Suor, do Jorge Amado, o Jubiabá… Eu era um dos grandes fãs da Rachel de Queiroz. Eu e muitos, todo o grupo. Íamos para a Livraria Spanos esperar pelo O Cruzeiro, ansiosos pela crônica da Rachel. Quando soube que ela tinha sido contemplada com o Prêmio Camões, fiquei emocionado. Essa livraria importava livros portugueses e brasileiros, inclusive aqueles livros que estavam no índex para serem aprendidos. Ás vezes, essas proibições, atingiam até as revistas se eles considerassem que havia matérias impróprias para os moçambicanos.

Pergunta: Essas leituras estão na base de sua formação como escritor. Como é que o poeta José Craveirinha vê a poesia?

Resposta: Eu aprendi uma coisa com esses escritores, que se tornaram meus companheiros. A poesia foi sempre para mim um instrumento, uma ferramenta de reivindicação. Os meus poemas têm sempre uma dimensão social, sociopolítica. Mesmo quando falo de coisas como flores… É também um refúgio para minhas dores pessoais.

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