Entrevista com Sabrina Studart Fontenele Costa sobre ‘Modos de Morar nos Apartamentos Duplex’: “O livro aborda a produção e o estudo da arquitetura e sua relação com a vida cotidiana”

Me utilizei dos apartamentos modernos duplex para investigar o debate sobre habitação e a invenção, difusão e transformações da tipologia e também a preservação dos conjuntos habitacionais. Este percurso histórico busca também refletir sobre o papel das mulheres e as domesticidades que ocorriam nestes espaçosSabrina Studart Fontenele Costa em entrevista ao Blog da Ateliê

Sabrina Studart Fontenele Costa durante o lançamento de ‘Modos de Morar em Apartamentos Duplex, na Livraria Martins Fontes Paulista.

A Ateliê Editorial apresenta seu mais recente lançamento: a obra Modos de Morar nos Apartamentos Duplex – Rastros de Modernidade , de Sabrina Studart Fontenele Costa. O livro surgiu por meio de uma pesquisa de pós-doutorado desenvolvida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, contando com o apoio da Fapesp. A autora concedeu uma entrevista para o Blog da Ateliê e conversou sobre a ideia de realização do texto: “O livro aborda a produção e o estudo da arquitetura e sua relação com a vida cotidiana, com as relações de gênero e a produção cultural a partir de uma pesquisa que busca aproximar-se de novas fontes de estudo e compreender ideias e realizações”.

O livro gira em torno da discussão que tem ganhado força nos últimos anos: o desenvolvimento da arquitetura, do gênero e da domesticidade. A obra também apresenta plantas e fotografias das habitações modernas estudadas pela autora. Modos de Morar nos Apartamentos Duplex – Rastros de Modernidade é um livro indispensável para examinar, conhecer e compreender uma parte fundamental da Arquitetura e do contexto social do século XX. Saiba mais sobre a obra no site da Ateliê Editorial (clique aqui).

Sabrina Studart Fontenele Costa é arquiteta e urbanista, com mestrado e doutorado pela FAU-USP. Finalizou em 2019 a pesquisa de pós-doc no IFCH-Unicamp com apoio da Fapesp. Autora dos livros Edifícios Modernos e o Traçado Urbano no Centro de São Paulo (2015) e Restauro da Faculdade de Medicina da USP: Estudos, Projetos e Resultados (2013). Professora na Escola da Cidade, Diretora de Cultura do IAB-SP (2020-2022), onde também é curadora residente da 13a. Bienal de Arquitetura de São Paulo.

Leia abaixo a entrevista na íntegra:

PERGUNTA: Sabrina, conta para nós quando surgiu a ideia do livro?

SABRINA STUDART FONTENELE COSTA: Entre 2012 e 2018, eu fui pesquisadora do Centro de Preservação Cultural da Universidade de São Paulo (CPC-USP), uma instituição sediada em uma casa de mulher, a Casa de Dona Yayá. Herdeira de uma grande fortuna e considerada mentalmente instável pouco depois de completar trinta anos, Sebastiana de Mello Freire, a Dona Yayá, foi internada em um casarão no bairro do Bexiga por mais de quatro décadas. Durante os quatro anos que fui funcionária do CPC, compreendia que o imóvel era um documento que apresentava a forma como ela foi tratada e apontava possibilidades de narrativas sobre as domesticidades que ali ocorriam. Em 2014, organizamos o seminário chamado “Domesticidade, Gênero e Cultura Material” – que resultou em um livro organizado pelas professoras Joana Mello, Flavia Brito e Silvana Rubino e pelo professor José Lira – que estimulava  debates envolvendo arquitetura, sexualidade e patrimônio cultural. Fiquei completamente encantada com os temas discutidos, decidi que gostaria de pesquisar com mais profundidade arquitetura moderna a partir desta abordagem e iniciei em seguida uma pesquisa de pós doutorado no IFCH-Unicamp sob a supervisão da profa. dra. Silvana Rubino.

Me utilizei dos apartamentos modernos duplex para investigar o debate sobre habitação e a invenção, difusão e transformações da tipologia e também a preservação dos conjuntos habitacionais. Este percurso histórico busca também refletir sobre o papel das mulheres e as domesticidades que ocorriam nestes espaços.

P – E como foi a realização da pesquisa para a obra?

SSFC – O livro é fruto de uma pesquisa de pós-doutorado realizado durante quatro anos, entre 2016 e 2019, e que contou com uma bolsa fundamental  da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp). Foi um período intenso de pesquisa e de trocas em sala de aula e em eventos acadêmicos sobre questões relacionadas à habitação moderna, preservação e gênero. Graças ao auxílio da Fapesp, tive a oportunidade de viajar para conhecer algumas das obras (por exemplo, a Unidade de Habitação, em Marselha, e o conjunto do Bairro das Estacas, em Lisboa), pesquisar em acervos internacionais de destaque – como os da Biblioteca Avery da Universidade de Columbia (Nova Iorque, Estados Unidos), a Biblioteca do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Coimbra, Portugal), da Fundação Calouste Gulbekian (Lisboa, Portugal) e da Cité de la Architecture et de Patrimoine (Paris, França), assim como no Centro de Pesquisa da Arquitetura e do Design (Architecture and Design Study Center) do Museu de Arte Moderna de Nova York (Nova Iorque, Estados Unidos) e na Fondation Le Corbusier (Paris, França) – e acervos nacionais como na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Brasil) e no Núcleo de Pesquisa e Documentação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Brasil). À medida que a pesquisa documental se aprofundava, também se ampliava no Brasil eventos acadêmicos que abordam as questões de gênero, o que foi uma oportunidade de estabelecer interlocuções com outras pesquisadoras.

Importante ainda destacar o acesso às informações sobre o cotidiano nos edifícios pesquisados a partir de visitas e entrevistas com moradores dos apartamentos duplex. Durante esta etapa da investigação, novas informações foram levantadas e atualizadas não só sobre os espaços, como também sobre a apropriação da casa pelos usuários.

Finalizada a pesquisa em 2019, foi necessária revisão dos originais para realização do livro que veio a ser lançado em 2021, depois de meses em que tivemos que nos isolar em nossas casas e rever nossos espaços domésticos para abrigar outras funções além daquelas para as quais foram projetadas.


P – Você gostaria de destacar alguma parte que foi bastante importante para o desenvolvimento do livro?

SSFC – Compreendemos que a casa tornou-se um foco de atenção para os arquitetos modernos, tanto em termos teóricos – na publicação e divulgação de manifestos, artigos e revistas – como também na prática projetual. A ideia de ruptura com o passado e a busca por novas formas de moradia condizentes com o homem moderno foi reforçada no início do século XX. Mas se para o campo da arquitetura, a moradia possibilita experimentar formas, programas e técnicas; para outras disciplinas – como a antropologia e a sociologia – a residência é uma manifestação social que se modifica ao longo dos tempos.

A antropóloga francesa Marion Segaud (2016), em seu livro Antropologia do Espaço, explica que quando se trata de analisar a habitação é impossível abstrair as sequências temporais da vida cotidiana de seus moradores. Partimos dessa lógica para investigar os moradores de apartamentos duplex e sua relação com os espaços modernos propostos e habitados, comparando suas práticas com os discursos defendidos por seus promotores. Além de compreender seu desenho arquitetônico, o livro busca investigar os espaços domésticos, rotinas e interesses dos moradores dos apartamentos, buscando entender como se deu a apropriação das ideias relacionadas à proposta do morar da arquitetura moderna.


P – Não é só abordado o histórico arquitetônico das habitações, mas também o contexto social, poderia comentar como foi a produção desses dois aspectos para a obra?

SSFC – O livro aborda a produção e o estudo da arquitetura e sua relação com a vida cotidiana, com as relações de gênero e a produção cultural a partir de uma pesquisa que busca aproximar-se de novas fontes de estudo e compreender ideias e realizações. Para uma análise espacial das propostas, foram redesenhados e apresentados – com plantas e cortes – os projetos dos conjuntos habitacionais com apartamentos duplex de maneira a dialogar com conceitos e contextos culturais e históricos em que se inseriam. Além disso, as imagens levantadas nos acervos e nas visitas técnicas foram apresentadas e analisadas a partir de metodologias da cultura visual, possibilitando novas possibilidades de investigação. 

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