Homenagem a Gilberto Braga – Leia o prefácio escrito pelo autor para a obra ‘Novelas, Espelhos e um Pouco de Choro’, publicada pela Ateliê

Gilberto Braga

Na última terça-feira, 26 de outubro, faleceu o autor de novelas Gilberto Braga, aos 75 anos. Braga assinou os sucessos Vale Tudo, Celebridades, Paraíso Tropical e Dancin’ Days.

A Ateliê Editorial lamenta a morte do escritor e relembra o texto de prefácio, escrito por ele, para a obra Novelas, Espelhos e um Pouco de Choro. O livro retrata sobre a televisão, essa caixinha de mistérios que conquistou lares de todo o Brasil. Os autores dos contos são roteiristas da Rede Globo. Cada um aborda um aspecto do tema, com estilo próprio e determinado ângulo de visão. O que dá unidade ao conjunto é a identificação com o leitor: todos os textos tratam de histórias que assistimos ou de que ouvimos falar. Todas elas nos pertencem porque, de alguma maneira, participamos delas.

A obra, publicada em 2001, contou com a contribuição de Alessandro Marson, Claudio Barbuto, Dora Castellar, Lúcio Manfredi, Maria Helena Alvim, Patricia Castilho, Paulo Cursino, Renato Modesto, Renê Belmonte, Rosani Madeira, Rubens Rewald, Thelma Guedes. Saiba mais sobre a obra no site da Ateliê Editorial (CLIQUE AQUI).

Leia na íntegra o prefácio escrito por Gilberto Braga:

Com uma tomada de eletricidade e uma antena, a televisão invade os mais remotos cantos do Brasil e neles se instala. Ameaçando de morte culturas locais ou abrindo-lhes as portas para o mundo global? Perguntas a que só o futuro poderá responder, mas eu já vou apostando na segunda alternativa. Estes contos podem fazer vocês pensarem neste assunto e vários outros de igual interesse. Li o livro não como autor de novelas, mas como o leitor de Machado, João Ubaldo ou Maupassant que sempre fui. Quer dizer, sem experiência técnica alguma e apenas a autoridade de um leigo que aprecia a literatura sem nunca ter-se por ela aventurado. Talvez tenha tido ainda mais prazer pelo fato de os contos tratarem de experiências com ou na televisão, e eu afinal de contas sou do ramo. Mas, pensando melhor, nem necessariamente tanto mais prazer assim, porque em matéria de novela boa parte do Brasil é do ramo. A turma escolhida pelo Flavio é das boas. A principal qualidade deste livro é, a meu ver, a sua unidade na diversidade. Todos os contos tratam de histórias referentes à televisão, coisas que todos nós ou vivemos, ou lemos, ou ouvimos contar, mas nos pertencem porque – de uma forma ou de outra – delas participamos. E diversos porque cada um aborda um aspecto, num estilo diferente e de um ângulo inesperado. Um momento, um detalhe, um elemento psicológico que muitas vezes nos passou despercebido, mas que, lido agora, nos parece muito vívido e muito nosso.


Nem me lembrava da primeira vez em que vi televisão até ler a descrição toda graça e leveza que um dos contos faz do momento que foi a criação do mundo para a autora, quando em seu universo cinzento de criança começaram a brilhar as cores do seu primeiro aparelho. Nem sei, na verdade, se meu próprio caminho foi dos mais difíceis na televisão, mas achei muita graça ao ver como é fácil embaralhar as coisas e perder a direção, lendo a descrição de um dos autores de seu percurso de devoto a inimigo das novelas: trocando e destrocando de alma com seus personagens; arruinando na vida real o que fazia sucesso na tela e vice-versa.


Outro conto diz, logo em seu princípio: “O problema é que eu sou péssimo pra desenvolver personagens. Antes de virar roteirista de televisão, quase todos os meus contos tinham como personagem principal um intelectual baixinho, complexado e patético, ou seja, eu…” Amostrinha grátis que me exime de falar da vivacidade do texto. Só faltando acrescentar que envolve tudo numa pontinha de filosofia e, para nós, humildes discípulos de Félix Cagnet, o pinguinho de filosofia que se puder arrebanhar já é lucro.


“A palavra é desesperançada. Concretamente desesperançada”, e a partir daí ainda um outro conto vai aos poucos
explicando aos futuros roteiristas deste país tão grande, ou aos já cansados, como é dura a passagem de uma cena vivida – ou pensada, sonhada – para uma cena escrita. O que um conhecido meu chama de “transubstanciação” e que só agora, depois de transubstanciar por tantos anos, compreendi por que isto exige tanto suor e tanto Lexotan…


Vou ficando por aqui para não contar o fim do filme, que fica muito melhor se vocês lerem o livro. Só uma palavra ao meu amigo Flavio: parabéns. Ainda não posso saber se você conseguiu fazer dessa turma roteiristas mas pelo menos não tocou nos contistas excelentes que eles já traziam dentro de si. Ou não os teria escolhido

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