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“Esaú e Jacó”: uma superfície simples com significados complexos

A Ateliê acaba de lançar, na Coleção Clássicos Ateliê, Esaú e Jacó, o penúltimo livro de Machado de Assis, uma obra que até hoje suscita interesse e intriga os leitores e a crítica. Para falar sobre o lançamento, o Blog da Ateliê conversou com José De Paula Ramos Jr, doutor em Literatura Brasileira pela USP e professor da ECA. Ele é coordenador da Coleção Clássicos Ateliê e estabeleceu o texto e elaborou as notas de Esaú e Jacó. Acompanhe:

Como foi o processo de estabelecer o texto e as notas desta edição? Quais foram os principais desafios?

José De Paula Ramos Jr

José De Paula Ramos Jr: O romance Esaú e Jacó, de Machado de Assis, é publicado em 1904 pela editora Garnier, que nesse mesmo ano lança a segunda edição da obra.  A terceira é póstuma, de 1917, pela mesma editora Garnier. Assim, a segunda edição vem a ser dotada de autenticidade, legitimidade e genuinidade, pois o texto expressa a última vontade autoral explícita. Por essa razão, serviu de texto de base para a edição Ateliê, mas foi feita a colação com a lição textual da primeira edição. A lição contida na edição crítica do romance (Civilização Brasileira / MEC, 1977) serviu como texto de controle. A edição Ateliê corrige erros, atualiza o texto, segundo o Acordo Ortográfico de 1990, apresenta profusas notas explicativas, que contribuem para a inteligibilidade do texto, em favor, sobretudo, do leitor em formação, e contém um rico e agudo estudo, escrito por Paulo Franchetti, professor da Unicamp, especialmente para a edição Ateliê.

Esaú e Jacó é um dos livros de Machado de Assis que mais atingiram o “sucesso de público” quando lançado (prova disso são as duas edições que ele teve no mesmo ano). O senhor acredita que ele ainda é um romance que pode agradar ao público do século XXI?

JDPRJ: Esaú e Jacó é um clássico tão respeitável quanto Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro. Trata-se de uma obra perene. Isso significa que ela ultrapassa a fronteira histórica em que foi escrita e é sempre atual.

Apesar da sinopse simples, o senhor acredita que há uma complexidade em Esaú e Jacó? De que maneira isso se coloca na obra?

JDPRJ: Na superfície, Esaú e Jacó contém, de fato, um enredo simples: a história da desavença entre dois irmãos gêmeos, que brigam desde o útero até a idade adulta, são a antítese um do outro, inclusive politicamente, a despeito da grande semelhança física, apaixonam-se pela mesma mulher, que hesita entre os dois, adoece e morre, sem que haja escolhido um deles, que permanecem irreconciliáveis até o fim da narrativa. No entanto, essa superfície aparentemente simples contém significados complexos, que são percebidos por uma leitura atenta aos efeitos de sentido construídos pelo texto –alusões eruditas, comentários do narrador, a intertextualidade, a paródia, a alegoria, a ironia e o humor. Os que percebem coisas como essas encontram um prazer muito maior na leitura.

Aires, que reaparece no livro seguinte de Machado (Memorial de Aires) repõe a questão do “narrador problemático” que perpassa parte da obra de Machado. Afinal, em sua avaliação, ele é narrador ou apenas personagem da obra?

JDPRJ: Em Esaú e Jacó, o conselheiro Aires se desdobra em narrador e personagem. Narra em primeira pessoa e interage com os protagonistas e com personagens secundárias.

José Veríssimo fala da “novidade” em Esaú e Jacó: “O seu principal encanto talvez esteja no contador. Cada livro dele, de parte o estilo, traz uma novidade. A de Esaú e Jacó é a do assunto, que tem, do modo por que é exposto, toda a figura de um fato novo” (trecho da apresentação da edição da Ateliê). Em sua opinião, qual é essa “novidade” de Esaú e Jacó, já que a história de Pedro e Paulo (como indica o título do romance) tem traços tão antigos quanto as histórias bíblicas? 

JDPRJ: Sim, o romance contém elementos de uma vasta tradição cultural e literária, mas esses elementos são atualizados na escrita de Machado de Assis, o que confere o “frescor” de que fala José Veríssimo. Aliás, por ser um clássico, mantém esse frescor nos dias atuais.

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis

No universo da crítica literária, muito se debate sobre qual é e onde se localiza no texto o “Realismo” de Esaú e Jacó e se ele deve ser tomado “a contrapelo”. Qual sua análise sobre o assunto?

JDPRJ: Machado manteve distanciamento crítico em relação aos cânones do Realismo, principalmente em relação à corrente do Naturalismo. Em suas obras, posteriores a 1881, Machado, usualmente, faz paródias irônicas do cientificismo expresso nas obras literárias quer do Realismo, quer do Naturalismo. Para Machado, a representação artística da vida não deveria se sujeitar à camisa de força do materialismo cientificista, mas libertar a imaginação ao ponto de inventar um defunto autor (um morto que escreve) nas Memórias Póstumas de Brás Cubas, como estratégia imaginativa para melhor configurar a realidade psíquica e social. Nesse sentido, podemos admitir como realistas as obras de Machado posteriores a 1881, mas de um realismo sui generis, pois não renuncia à imaginação, à fantasia e, mesmo, ao maravilhoso, como no caso das Memórias Póstumas de Brás Cubas.

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