Romance de formação é tema de novo livro da Ateliê

O que vem por aí? Muita gente tem feito esta pergunta, querendo saber sobre quais os próximos lançamentos da Ateliê e sobre o que esperar para o futuro. Como muitas novidades devem chegar em breve, para satisfazer a curiosidade dos nossos leitores – ou para aguçá-la ainda mais – o Blog da Ateliê resolveu fazer uma série de entrevistas com autores de obras que a editora deve lançar em breve.

Desta vez, entrevistamos Marcus V. Mazzari, professor de Teoria Literária e Literatura Comparada na Universidade de São Paulo. Ele traduziu para o português, entre outros, textos de Walter Benjamin, Adelbertvon Chamisso, Heinrich Heine, Karl Marx, Gottfried Keller e Jeremias Gotthelf. Entre suas publicações estão Romance de formação em perspectiva histórica. O Tambor de Lata, de Günter Grass (Ateliê Editorial, 1999), Labirintos da aprendizagem (Editora 34, 2010) e A dupla noite das tílias – História e Natureza no Fausto de Goethe (Editora 34, 2019). Coordena desde 2015 a coleção Thomas Mann, editada pela Companhia das Letras.Em breve, o livro que organizou com Cecilia Marks, Romance de Formação: caminhos e descaminhos do herói, estará nas prateleiras. A seguir, ele fala sobre a obra:

Do que trata o livro?

Marcus V. Mazzari: O livro é dedicado ao gênero literário “romance de formação” (Bildungsroman), criado por Goethe, no final do século XVIII, com o romance Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister. O volume enfeixa 26 ensaios que contemplam manifestações desse gênero em várias literaturas, não só europeias (alemã, espanhola, francesa, inglesa, italiana, portuguesa, russa), mas também a brasileira, que comparece com sete nomes, peruana (José MaríaArguedas), moçambicana (Paulina Chiziane). Um espectro, portanto, rico e diversificado de um gênero de imensa relevância na Literatura Mundial.

Marcus Mazzari

A  quem o livro deve interessar, em sua opinião: apenas estudiosos e pesquisadores ou o público em geral?

MVM: O livro tem grande interesse ao público em geral, pois lhe apresenta, de uma perspectiva muito fecunda (justamente a da questão da “formação”), renomados clássicos literários, entre os quais romances de Machado de Assis e o rosiano Grande Sertão: Veredas, e também obras menos conhecidas, mas de grande valor estético.

Quais os destaques do livro, em sua opinião?

MVM: É difícil mencionar alguns destaques em meio a tantos textos excelentes. O ensaio de Luis Bueno sobre a produção romanesca de Machado de Assis a partir do prisma da “formação” e, sobretudo, da “não formação” do homem brasileiro de elite é certamente um dos highlights do volume. Importante mencionar também os ensaios de Paulo Bezerra (Dostoiévski), Walnice N. Galvão (Victor Hugo), Sandra G. Vasconcelos (Dickens).

Lembro ainda que Maria Augusta Vieira enfocou a “aprendizagem deleitosa” (como figura no título do belo ensaio) de Dom Quixote e Sancho Pança, num romance precursor do Bildungsroman; e Willi Bolle fez uma aguda leitura “atualizadora” da formação de Franz Biberkopf, no romance de Alfred Döblin Berlim Alexanderplatz, o que transparece no título de seu ensaio: “Crise do Romance – Crise de um País”. O ensaio de Cecilia Marks oferece-nos uma magistral leitura bakhtiniana de Grande Sertão: Veredas. Mas com isso estou deixando de mencionar muitas outras riquezas do volume, como o ensaio de Mário Frungillo que enfoca a obra de Thomas Mann na confluência entre Romance de Formação e Romance Picaresco, ou seja, as Confissões do impostor Felix Krull.

De que forma o livro poderá contribuir com o contexto brasileiro atual, em sua opinião?

MVM: Já os ensaios sobre autores brasileiros (Machado e G. Rosa, como já mencionado, mas também Lima Barreto, Clarice Lispector ou Antônio Callado) incorporam à abordagem dos romances reflexões críticas sobre a história brasileira, o que representa uma contribuição no sentido visado pela sua pergunta.

O estudo que enfoca a produção de Dalcídio Jurandir, sobre o moderno Bildungsroman na “Amazônia Oriental”,traça interessantes paralelos com a obra narrativa de Milton Hatoum, para quem a tradição do romance de formação é muito importante: o ciclo romanesco O lugar mais sombrio, cujo segundo volume, Pontos de fuga, foi lançado em 2019, é apresentado explicitamente como “romance de formação”.

O ensaio sobre Jorge Amado considera o herói de Jubiabá, Antônio Balduíno, “um dos primeiros, senão o primeiro herói negro da literatura brasileira”, lançando uma reflexão sobre a questão racial em nosso país. Mas também os outros textos podem contribuir significativamente para uma discussão ampla e aprofundada (de uma perspectiva comparativa) da atual situação brasileira. O mencionado estudo de Willi Bolle, por exemplo, apoia-se no breve ensaio “Sobre a estupidez” (Über die Dummheit), de Robert Musil (representado no volume pelo seu monumental romance O homem sem qualidades), para aludir à extrema estupidez de um país que elegeu Adolf Hitler em janeiro de 1933 – e assim convidando o leitor, de maneira sub-reptícia, a refletir sobre os recentes desdobramentos na história brasileira… Enfim, num momento em que a cultura e a educação estão tão aviltadas no Brasil, este volume sobre as várias modalidades de “formação” se reveste de um significado bastante candente.

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