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“Somente nos Cinemas”: contos de Jorge Ialanji Filholini

Por Renata de Albuquerque

Somente nos Cinemas, o novo livro de contos de Jorge Ialanji Filholini, é o mais recente lançamento da Coleção LêProsa, da Ateliê Editorial, que enfoca a literatura de autores brasileiros contemporâneos. A coleção é coordenada por Marcelino Freire, também organizador da Balada Literária e autor de Angu de Sangue. A seguir, o autor fala ao Blog da Ateliê:

Como foi o processo de criar Somente nos Cinemas? Quanto tempo levou para escrever o livro, como escolheu os contos que dele fazem parte?

Jorge Ialanji Filholini:  O começo de tudo foi quando escrevi o conto “Bianca Movies”, acredito que foi em 2017. Gostei muito da elaboração da narrativa que, no decorrer da leitura, vai intercalando entre o casal de protagonistas e suas diferenças de gostos, principalmente em relação aos filmes. E isso é tão gostoso: a troca de apreço pela arte. Descobrindo aos poucos naquela caminhada pelas ruas da madrugada de São Carlos. A personagem Bianca foi criada a partir do meu amor pelo cinema, uma aventura com ela em seus vários signos cinematográficos. Eu amava passear pelos corredores das locadoras de vídeos. Passar pelas estantes, pegar as caixas e escolher qual filme será assistido no fim de semana. E quis colocar um pouco disso tudo nela. Nesse desenvolvimento do conto, senti a vontade de ampliar as temáticas que envolvessem filmes, atores, cenógrafos, roteiristas, cinéfilos e pequenos detalhes relacionados à sétima arte. O que pensariam. Em quais situações poderia colocá-los. O cinema estaria ali à espreita da minha escrita. Os contos foram surgindo iguais aos trailers de cinema. Um por um com uma ideia pronta para ser desenvolvida, tornando-se um longa, um desenrolar da película no projetor. Depois era só montar e colocar para exibição.

Qual sua relação com cinema? De que maneira ele o inspira e faz parte da sua vida?

JIF: O cinema foi a primeira arte com que eu tive contato. Desde criança, aquelas imagens iam processando na minha mente e eu sem entender nada. No decorrer da maturidade, ia ao cinema sozinho. Trocava um esconde-esconde, um futebol de rua, uma pipa, por uma bela sessão de cinema.  Em São Carlos, os ingressos eram muito baratos no começo do século. Eu assistia dois ou três filmes por dia. Acabava uma sessão e já entrava em outra. Era uma sensação boa. Eu e aquela história sobre relações humanas. Absurdos ou não. Fantasia. Eu era um intrometido cinematográfico. Queria entrar nas vidas daqueles personagens, daquelas tramas. Foram surgindo as inspirações. Os cortes de cenas, os diálogos, os detalhes em que o plano da câmera lhe joga, o suspense. A elaboração dos cenários. Aquele enquadramento marcante. A minha mente é uma câmera rodando 24h por dia em um filme pessoal que, de certa maneira, torna-se imperdível e em cartaz pelo resto da vida.

 Quais são os filmes e diretores de cinema que você admira e de que maneira eles estão em Somente nos Cinemas?

JIF: Primeiro, logo na epígrafe, com a fenomenal Agnès Varda: “Cinema é luz e tempo”. Tenho enorme admiração pelo o seu trabalho com documentários, mas tenho paixão por “Cléo, das 5 às 7”. A luminosidade e o tempo que a personagem de Corinne Marchand desenvolve é uma aula sobre o cotidiano e de como ele transcende em nossas fases ordinárias.

São tantos cineastas que admiro que, se citar aqui, ficaria faltando outros tantos. Por isso, dedico o livro para as cineastas e os cineastas do Brasil. Foram tão essenciais no meu amor cinematográfico. Impossível não se emocionar com a sequência final do julgamento em “O caso dos irmãos Naves”. Pegar carona com a trupe mambembe de “Bye Bye, Brasil”. Subir as escadarias do Paço em “O pagador de promessas”. Sentir arrepio das lágrimas ao assistir a cena de Regina Casé dentro da piscina em “Que horas ela volta”. As tantas facetas de Paulo Miklos em “O Invasor”. Um jovem João Miguel se despedindo de seu amigo alemão na estação de trem no sertão em “Cinema, Aspirinas e Urubus”. Caminhar com Corisco num cangaço fantástico em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Estão estes e muitos dialogam com o meu cinema. O cinema que vem a partir de mim, do meu olhar de amante de filmes. E Somente nos Cinemas está montado em sua linguagem literocinematográfica.

Jorge Ialanji Filholin fotografado por Ciete Silvério/Agência Foto

Na orelha do livro, Fernanda D’Umbra escreve que você faz uma mistura “quase impossível”: a literatura, o cinema, a vida e a morte. Entretanto, há muitos casos em que cinema e literatura se misturam; em que vida e morte são complementares. Em sua opinião, o que há de diferente nesta mistura que você propõe?

JIF: A Fernanda foi uma das primeiras leitoras do meu primeiro livro “Somos mais limpos pela manhã”, publicado em 2016 pelo Selo Demônio Negro. E, no término de sua leitura, ela escreveu um depoimento e uma crítica tão maravilhosos sobre os contos que, sem dúvida, eu gostaria de ter um texto seu em um futuro livro meu. O que deu certo, o maravilhoso texto de orelha da Fernanda em Somente nos Cinemas sintetiza muito do meu pensamento sobre o cinema e como ele está colado no meu cotidiano e escrita. Ela descreve: “Os olhos filmam, os ouvidos constroem o áudio, o cérebro edita e o coração que se vire. E, se a vida se passa basicamente dentro da nossa cabeça, tudo é ficção. Deus! A realidade não existe”. Para mim, esta é a definição que quis propor e, se for diferente, os leitores é que projetarão isso em uma tela branca dentro da cabeça. Eu apenas dei o play na ficção banal que é a vida.

E não poderia deixar de fora os olhares plurais dos parceiros de elenco que me ajudaram na construção de todo Somente nos Cinemas. A visão artística de Lourenço Mutarelli em sua elaboração da capa, maravilhosamente por meio de colagens. O texto de prefácio da querida e brilhante Cristina Judar, uma leitura essencial para a finalização do livro e, também, de duas pessoas que muito me incentivaram na escrita, mesmo por campos diferentes. Um, o da ficção, que foi Marcelino Freire; e outro, pela leitura e apontamento acadêmico, o amigo e professor Jorge Vicente Valentim, competente e emocionalmente exposto no posfácio do meu livro.

De que maneira a linguagem cinematográfica “contagiou” (ou foi transposta para) a escrita de seus contos neste livro?

JIF: Eu gosto do cotidiano. Gosto de colocar os meus personagens em situações degradantes. O absurdo transformando a narrativa. Gosto dos cortes cinematográficos e isto é fascinante transpor em meus contos. As letras são os planos se encaixando no filme e formando uma história onde o montador, o diretor, o roteirista, o ator, estão todos em mim.

O livro é apenas para leitores cinéfilos? Ou: existem camadas de leitura que apenas os cinéfilos poderão compreender na leitura do livro?

JIF: Somente nos Cinemas é um convite para se entrar em meu mundo cinematográfico e literário. As portas da sala de exibição estão abertas. É só sentar e apreciar a leitura ou, melhor, a sessão. 

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