“Konstantinos Kaváfis – 60 poemas” ganha nova edição

A literatura grega não é feita apenas de textos do período clássico da Idade Antiga. Autores mais recentes também reservam ao leitor experiências literárias impactantes, como é o caso de Konstantinos Kaváfis (1863 – 1933), considerado um dos mais importantes escritores cuja produção foi elaborada em grego moderno. Autor de mais de 150 poemas, teve sua obra reunida apenas postumamente.

 “Konstantinos Kaváfis – 60 poemas”, tem seleção e notas de Trajano Vieira, um dos mais importantes pesquisadores da cultura helênica no Brasil. Na obra, o leitor tem a oportunidade de entrar em contato com um universo esteticamente rico e provocador. A seguir, Trajano Vieira fala ao Blog da Ateliê sobre o livro:

Que alterações foram feitas em relação à primeira edição?

Trajano Vieira: A segunda edição mantém exatamente os princípios que nortearam a primeira: tentar apresentar ao leitor, através da linguagem poética, algo da expressividade estética de um autor extraordinário.

Como se deu o processo de tradução dos poemas para esta antologia, à época da primeira edição? Houve ajustes para esta segunda edição?

TV: O processo de tradução foi uma decorrência do processo de leitura dos poemas do autor. Aqueles textos que me tocavam mais, eu os tentava traduzir. Preservei as traduções que, pelo menos para o meu gosto, atingiram alguma qualidade estética. As demais, deletei. De um modo geral, costumo trabalhar assim: só consigo traduzir obras que, no processo de leitura, me motivam a vertê-las. Isso não é garantia de sucesso, apenas um princípio de trabalho.

 

No prefácio do livro, o senhor fala da poesia fantasmagórica e do exotismo dos personagens de Kaváfis. Poderia, por gentileza, falar um pouco sobre isso para os leitores que não conhecem esse autor?

TV: Trata-se da atmosfera que prevalece nos poemas de Kaváfis. Seus personagens são avessos ao banal e previsível. Normalmente suas atitudes sugerem naturezas excêntricas. Parecem viver num universo deslocado, em que não é mais possível realizar suas fantasias. Daí o tema da morte ser tão recorrente em sua produção. Quase nada do tempo histórico vale a pena ser vivido. O imaginário refinado se expande e domina as ações dos personagens. Um dos parâmetros fortes dessa experiência é o ideal clássico, o tom contemplativo avesso ao utilitarismo e à redundância cotidiana.

 

Konstantinos Kaváfis

O senhor destaca ainda a dimensão estética da linguagem de Kaváfis. O que se pode dizer a respeito disso?

TV: Destacam-se, em sua linguagem, o coloquialismo e o distanciamento da elocução, num padrão verbal de elevadíssimo domínio formal, fazendo às vezes pensar em T. S. Eliot. A erudição do autor se evidencia em seu conhecimento profundo da tradição greco-latina. Muito do desespero que se depreende de situações que ele representa se deve à constatação de que certo gosto literário se perdeu irremediavelmente na modernidade. Registre-se, entretanto, que sua poesia é tributária, por outro lado, de um forte traço da produção moderna: a ironia.

 

Como se dá a inserção de elementos teatrais na poesia do autor grego?

TV: Normalmente, através da configuração de um personagem exótico, que parece histórico, mas não é. Esse personagem desenvolve comportamento incomum diante de uma situação. Tal aspecto que denominaríamos ficcional prende a atenção do leitor, surpreendido com a imprevisibilidade da ação. A beleza é um parâmetro central para esse tipo de personagem, não só a beleza de certa forma física, mas a que se busca num determinado estado de espírito, impossível de perdurar ou até mesmo de se provar. Algumas vezes, fica no ar a sugestão de que nada vale a pena, porque até o êxtase mais intenso não passa de uma quimera na temporalidade transitória.

 

Existe um elemento de coloquialismo na poesia de Kaváfis que permitiria fazer uma aproximação deste poeta com a poesia de Drummond. O senhor pode falar brevemente a respeito, por favor?

TV: Haroldo de Campos, em sua tradução notável do poema mais famoso de Kaváfis, “À espera dos bárbaros”, introduz, num certo momento, uma expressão de um poema de Drummond, correlata ao do poeta neogrego. A aproximação seria possível justamente por causa da confluência de ironia e registro coloquial, presente nos dois autores. Certa visão sobre a trágica experiência humana, um reflexo da percepção da brevidade da vida, é outro aspecto que poderia aproximar os dois autores. Contudo, as figuras emblemáticas da poesia de Kaváfis nada têm a ver com as representações de Drummond. A luxúria que retoma certa visão do classicismo tardio é algo que afasta o primeiro escritor do segundo. A melancolia diante da vulgaridade dos fatos cotidianos leva Kaváfis a outra direção, em que os personagens se arriscam e se excedem em sua incontida sensualidade. Esse tipo de risco é menos presente em Drummond, que se retrai muitas vezes diante da potencialidade do desastre.

 

O senhor considera que há um elemento de ironia na poesia de Kaváfis? Como ela se coloca na obra?

TV: A ironia está presente sobretudo no comportamento de personagens que cultivam a hiperestesia, diante da qual os fenômenos cristalizados pelo senso comum num certo contexto não têm nenhuma importância. É da ausência de ilusão sobre a positividade dos fatos históricos que nasce a ironia extremamente sutil com que o autor constrói a experiência incomum. Registre-se, contudo, que sua linguagem é bastante precisa. Ela não padece de indefinições redundantes, nem de evasões de transes surrealistas.

 

Conheça a obra de Trajano Vieira

 

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