Manual do Estilo Desconfiado é exercício lúdico para quem quer e também quem não quer ser escritor

Se prestarmos atenção à trajetória profissional de Fernando Paixão, as razões pelas quais ele acaba de publicar Manual do Estilo Desconfiado ficam claras. Poeta, professor universitário e ex-diretor editorial da Ática, seu trabalho está profundamente ligado ao texto, de maneira provocadora e criativa. Para isso, questionar o próprio estilo e ter um olhar crítico sobre o texto é  fundamental. É isto o que ele enfoca neste Manual, que não serve apenas a jovens escritores ou a quem deseja tornar-se escritor. A seguir, ele fala ao Blog Ateliê:

 

Fernando Paixão, em foto de Maira Moraes Mesquita

Por que o título “Manual do Estilo Desconfiado”?

Fernando Paixão: Tem a ver com a origem do livro. Surgiu a partir de um curso de escrita, que dei na Universidade de São Paulo, e envolvia atividades práticas. Ali, no diálogo com os alunos e na leitura dos trabalhos, fui percebendo certos tiques que aparecem com frequência na redação dos textos. Por exemplo, o uso da palavra gorda, aquela que tem ansiedade de resumir tudo, abstrata quase sempre, mas que deixa a frase obesa, retórica demais. Também é preciso desconfiar da frase longa, que pode dar volteios e intercalações, mas sem perder o rumo do raciocínio.

E para cada item desse você criou um capítulo?

FP: Isso mesmo. Ao longo dos cursos, fui criando um repertório que acabou resultando nesse livrinho e preferi dar a ele um título que fosse sério e brincalhão ao mesmo tempo. Para dar unidade ao conjunto,  cada “lição” traz seis frases ou parágrafos, que alertam para os perigos da escrita viciada e repetidora de modelos. Algumas dessas frases sugerem também reflexões sobre o ato de escrever, como esta: “existem as vírgulas da gramática e as do afeto”.

É diferente de um manual redação e de estilo, então?

FP: Exatamente. Seria pretensioso querer ensinar a escrever ou coisa assim com um livro tão sucinto. Na verdade, é uma proposta mais lúdica, que visa fazer o leitor pensar, ganhar certa distância crítica com o ato da escrita. Daí o convite para manter o espírito desconfiado. Em síntese, o que este livrinho propõe são algumas dicas para o leitor desconfiar do próprio estilo.

O estilo dele, aliás, apresenta frases bem curtas e diretas.

FP: Como não sou especialista no assunto e sim um curioso, que aprendeu com a experiência prática, preferi um caminho pessoal e adotei a máxima como gênero de inspiração. Sou atraído pelo poder de síntese que ela carrega, ao mesmo tempo em que propõe o desafio de produzir frases marcadas por uma espécie de “curto-circuito cognitivo”. É por isso que elas permanecem em nossa memória com facilidade, porque oferecem uma chave de entendimento mais amplo.

Algumas frases têm sabor poético, inclusive. O que leva a perguntar se a sua atividade de poeta influenciou o “Manual”?

FP: Embora seja uma proposta diferente, mais racional, é possível que as máximas deste livro dialoguem com o meu trabalho em versos. Não sei explicar ao certo… Em ambos os casos, gosto da concisão e da imagem exata. E posso dizer que é tão difícil escrever uma boa assertiva quando criar um verso que valha a pena ao fim da tarde.

Você teve uma longa (e consagrada) carreira no mercado editorial. De que maneira essa experiência contribuiu para o Manual?

Fernando Paixão em foto de Maira Moraes Mesquita

FP: Sempre fui um profissional mais ligado ao texto do que ao visual, tenho clareza disso. Tive a sorte de ser um leitor voraz desde a  juventude. E no trabalho da Editora Ática, onde passei muitos e muitos anos como editor, pude conviver com diversos escritores e projetos. Creio que isso me deu alguma tarimba para perceber o estilo alheio, olhar de fora o fluxo produzido pela escrita. Foi por essa razão que, ao começar minhas atividades de professor na universidade, criei uma disciplina chamada “Escrita e estilo em estudos literários”, da qual resultou este livro.

No texto de contracapa, Luis Fernando Veríssimo enfatiza o ineditismo do seu trabalho. E o recomenda, tanto para aspirantes quanto para praticantes da arte da escrita…

FP: Generosidade dele, que é um dos nossos melhores escritores vivos, na minha opinião. Acho que ele gostou de verdade do espírito desconfiado proposto pelo livro e que faz bem a qualquer pessoa que gosta de escrever. É importante dizer que os tópicos do livro não se restringem aos itens da gramática ou da redação. Também devemos desconfiar da abstração, das citações e do próprio estilo. É bem conhecida aquela frase do Conde de Buffon afirmando que “ o estilo é o próprio homem”, mas eu acrescentei uma condição ao ditado do século XVIII: “ … desde que tenha caráter”. Por isso, digo que essas máximas misturam o lado sério com certa ironia.

E acredita que pode ser uma leitura interessante para quem não deseja se tornar escritor?

FP: Creio que sim, desde que esse leitor também seja interessado pelas artimanhas da escrita. E esse assunto pode interessar a advogados, filósofos, sociólogos… e muitas outras profissões.  Ao final das contas, é por via desse ímpeto desconfiado que se pode chegar ao melhor argumento, seja numa crítica literária ou num tratado semiótico. Estamos tratando de ideias com uma linguagem comum a todos – o desafio começa aí. Mas, sei que não se pode ter uma desconfiança exagerada, inibidora. O importante é o equilíbrio, pois “quem (des)confia demasiado termina no fiado”.

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