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“Existe um estilo brasileiro de desenhar capas, inconfundível aos olhos do observador atento”

A Capa do Livro Brasileiro  percorre 130 anos de História

Por Renata de Albuquerque

O bibliófilo Ubiratan Machado demorou quatro anos para compilar 1700 capas coloridas na obra A Capa do Livro Brasileiro, um amplo e profundo estudo sobre o assunto. O volume, coeditado por Ateliê Editorial e SESI-SP editora, percorre 130 anos de História, analisando também aspectos técnicos dessa produção. Para o autor, que usou como fonte de pesquisa a própria biblioteca e bibliotecas de amigos, as capas brasileiras têm um estilo próprio. A seguir, Machado fala sobre a obra:

Como se deu a escolha do período (1820 -1950)? Qual a razão desse recorte? Porque não iniciar antes ou encerrar em tempos mais recentes?

Ubiratan Machado: Quando iniciei as pesquisas, a idéia era contar a história da capa do livro brasileiro até os nossos dias. Mas, o material acumulado se tornou tão grande, que resolvi me deter no início da década de 1950. E por que 1820? Simples. Até então, os livros saiam das tipografias tendo como primeiro elemento visual a folha de rosto. Os  livreiros ou os clientes tratavam de encaderná-los. Naquela década, alguém teve a idéia de lançar a capa de brochura, com papel mais encorpado e resistente do que o miolo, reproduzindo a folha de rosto. A intenção era de proteger o miolo do livro. Com o tempo, a capa foi se enriquecendo e se distinguindo da folha de rosto, ganhando requintes gráficos e tornando-se um elemento de atração do leitor. A história começa aí.

As primeiras capas reproduziam as folhas de rosto dos livros

Quanto tempo demorou desde a pesquisa até o lançamento do livro?

UM: A idéia do livro era antiga, mas eu não me animava a começá-lo. Em certa ocasião, conversando com o Plinio Martins Filho, então editor da Edusp, ele me disse que, se eu fizesse o livro, ele o editaria. Entre essa conversa e a conclusão da obra se passaram cerca de quatro anos, com muitas surpresas, muito motivo de alegria e, por vezes, de saturação.

Que aspectos (gráficos, de diagramação, cores etc) você privilegiou ao abordar o assunto?

UM: As capas foram selecionadas segundo critérios estéticos, sobretudo nos capítulos dedicados a cada artista, mas também por sua importância na evolução histórica, em seu impacto no momento de publicação, representatividade de um momento das correntes estéticas (expressionismo, modernismo, art déco, art nouveau etc.),  pensamento brasileiro  expresso pelo artista etc. Assim, se encontram lado a lado, em convivência harmoniosa capas artísticas e kitch, para frisarmos os extremos. Mas, sendo bom lembrar que algumas dessas capas kitsch são deliciosas, em sua ingenuidade ou até mesmo em sua incompetência. Elas também representam um aspecto importante da história.

O capítulo 12 assinala a revolução das cores nas capas de livros brasileiros. Qual o impacto dessa “revolução”?

UM: A introdução da cor na capa do livro brasileiro foi gradual, iniciando-se ainda no século XIX. O importante foi a revolução ocorrida ao redor de 1917, com a intensificação das cores – cores fortes, chamativas, bem ao gosto do brasileiro,  – aliada à representação pictórica. É o momento de Monteiro Lobato,  um dos principais renovadores da capa do livro brasileiro, mas não o primeiro, como se crê. Ele  se aproveitou, com muito discernimento e competência, do momento. O bonde já vinha embalado, ele o tomou em movimento.

Capa de Guilherme de Almeida para Paulicéia Desvairada: “manual de tintureiro”

Além da “revolução da cor”, o que mais pode ser considerado “marco” na história das capas de livros brasileiras?

UM: Como toda história essa é uma sequência de realizações, em consonância com o momento social e artístico, e a luta permanente entre conservadorismo e renovação. Cada fase tem os seus marcos, seja por representar um momento de tensão ou de revelação, mas sobretudo pela qualidade artística. Selecionar as melhores capas de cada fase não é tarefa fácil, mas algumas, pelas circunstâncias, se tornaram paradigmáticas. Como a capa de Guilherme de Almeida para Paulicéia Desvairada, de Mário de Andrade, que um crítico azedo da época comparou com um  manual de tintureiro.

 

 

Alguns artistas consagrados, como Santa Rosa e Di Cavalcanti, também foram capistas. O que os motivou a trabalhar nessa atividade? Criar capas foi um desafio para eles? Essas capas podem ser consideradas obras de arte?

UM: Alguns dos maiores artistas plásticos brasileiros se dedicaram a elaborar capas de livros, por interesse pela atividade, por compensação financeira ou por pressão de amigos escritores, desejosos de valorizar seus livros com o trabalho desses artistas. Alguns, se tornaram capistas no sentido pleno do termo, como Di Cavalcanti, Enrico Bianco e Clovis Graciano, para lembrar apenas alguns nomes. Outros, foram capistas bissextos, como Portinari. Cada caso é um caso. Há também o inverso: aqueles que foram basicamente artistas gráficos e pintaram como atividade secundária. Caso de Santa Rosa, renovador do livro brasileiro, o capista mais importante dos anos 1930 até sua morte, em 1956.

Pode-se dizer que há uma “escola brasileira” de capas, com características singulares do nosso país? Quais as influências ou inspirações dos capistas brasileiros, de maneira geral?  

UM: Existe um estilo brasileiro de desenhar capas, inconfundível aos olhos do observador atento, como existe uma maneira brasileira de viver, de se relacionar etc. Aldemir Martins dizia que numa exposição de pintura de nu feminino, quando o artista era realmente brasileiro, ninguém ia confundir sua pintura com a de um equatoriano, um francês ou um norte-americano. O importante é que a capa do livro brasileiro é tão boa quanto a de qualquer país.

Conheça a obra de Ubiratan Machado

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