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Seleta de poemas “Na Pureza do Sacrilégio”

Confira a seguir alguns poemas do livro “Na Pureza do Sacrilégio”, de Carlos Cardoso, com desenhos de Lena Bergstein. A seleção foi feita pelo próprio autor, cujas fotos são de Bel Pedrosa:

 

Camaleão

Como um camaleão rastejo pelo
silêncio do meu quarto.

É poesia o encontro das paredes?

São ópio as estrelas aplumadas em
cada esquina do meu ego?

Ou será benevolente a lágrima que escorre por
minh’alma quando brado louco por felicidade?

Os arredores repletos de melancolia
ainda se refazem do gelo.

A ausência de um ombro, de um
corpo catatônico que seja,
faz-me lembrar o quanto era bom
o diálogo com os meus olhos.

Tocar a escuridão quando a voz do
desespero insistia no apego.

Mozart me enlaça com um fio de
náilon na garganta.
São as trevas rodeadas de luzes
intangíveis,

metáfora do abominável descaso
público a um quase morto.

Ninguém, nem mesmo a solidão, tem
mãos assim tão pequenas.

 

 

 

Eu serei noite e serei dia

 

Tenho uma outra face
que não é a rebeldia do exílio,
conto com a morte
e uma palavra de alívio

para quando o sermão de Maria
ocultar o sublime sonho

do unicórnio perdido,

saberei que o tempo
é apenas uma gota d’água
a beber o saber etéreo
da fugaz sabedoria,

sempre que as coisas
forem tristes
e o rio guardar em si,
o ser

por onde o ser não navega,

eu serei noite e serei dia,
e serei dia e serei noite.

 O poema, o começo

 

Indago, por onde iniciar essa resenha.
De dentro para fora, de um lado para o outro,
sem foco, com rima, com ou sem sentimento.

Lamento, tormento, piedade, felicidade.

Simples feito a natureza, complexo como a humanidade,

  Agudo, fraco, obtuso, disforme,

angelical ou demoníaco,
soberbo, decente, incoerente, desejoso,
voluptuoso e indiferente.

Com as mãos sujas de argila, o copo cheio de tequila,
e aquela menina que tanto desejo, seu beijo.

Ou abordando a tristeza, a sutileza, as formas de beleza,
as luzes, a ribalta.

Por onde começar essa bossa, esse texto,
essa nossa vossa discordância,
pela juventude, tema de infância,
pela infância, pureza e relevância.

Afinal, iniciarei pela instância, ininterrupta discrepância.

 

 

 

 

 

 

 

Frase primeira

E como falar
de outra forma?
de cortar
e reformatar o futuro,
e assim querer
e ser sem par.
Por que ser assim
pura forma?
tanta cor
entre ares dúbios,
ferrugens,
e sorrateiros costumes
de manter
sombras assimétricas,
como a de pensar
antes de ser,
e andar
por entre cadeiras

que margeiam limites
intangíveis,

formas sem abdômen,

sem retina.
Ainda quero uma frase primeira,
nua,
ligeiramente inteira.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ventania

Para Antonio Cicero

Iluminar a sombra
e torcer pelo sol
até que venha a chuva,

sapatear pela escuridão
com trovões e ventania,

molhar os dedos
sentir o frio e o arrepio
que é estar.

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