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Teatro é fantasia

Por: Milena O. Cruz e Renata de Albuquerque

No dia 27 de março comemora-se o Dia Mundial do Teatro. Para lembrar a data, O Blog da Ateliê entrevista Ana Maria de Abreu Amaral. Ela é Professora Titular de Teatro de Animação na ECA/USP, onde orienta pesquisas em pós graduação ligadas ao teatro de bonecos ou teatro de animação. Também é diretora do Grupo O CASULO – BonecObjeto e autora dos livros: Teatro de Formas Animadas, Teatro de Bonecos no BrasilO Ator e seus Duplos e Teatro de Animação (em processo final de tradução para o inglês, para ser editado por uma universidade dos Estados  Unidos), além do livro de poesias Rupturas – poemas em busca de um eixo. Acompanhe:

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Por que se interessou pelo teatro de animação?

Ana Maria de Abreu Amaral: A princípio, foram duas razões. Meu primeiro emprego foi numa  das bibliotecas infantis da Prefeitura de São Paulo, num bairro além da Freguesia do Ó (Cruz das Almas)  em que  poucas  crianças sabiam ler, ou quem lia  engolia logo os poucos livros disponíveis. D. Lenira Fracaroli,  idealizadora, diretora e organizadora dessa rede de bibliotecas infantis em bairros distantes, teve a ideia de nos oferecer, na sede, um curso rápido de uma semana sobre  construção de fantoches, e com isso a atitude das crianças mudou drasticamente. O interesse das crianças pelo teatro improvisado despertou e mudou totalmente  a atitude delas na biblioteca e o interesse pelos livros. Foi  incrível a mudança. Mas  acabei me cansando pela distância, quase ausência de transporte e pedi transferência para uma seção da Biblioteca Central.

Nessa época, antes de tudo, nem livros nem bibliotecas  me interessava. Tudo  que eu lia e vivia era poesia.  Convivia com os poetas jovens da época e a poesia era para mim então fundamental. Entre 1957 e 1960 publiquei  SINCOPE, depois Eu Inconcluso, depois Viagem ao Redor do Espelho, estimulada pela incrível saudação de Sergio Milliet e outros críticos e/ou poetas,  recebendo outras ótimas críticas. Mas foi um tempo curto. Por razões inesperadas, acabei indo para Nova Iorque. Trabalhei alguns meses na biblioteca de  Brooklin, depois na Biblioteca da Nações Unidas. E fui ficando, esquecida de voltar.

Mas… do inesperado surgiu um impacto. Foi quando os bonecos surgiram.Vieram vindo um dia pela 5ª Avenida acompanhados de máscaras, atores, tambores. Foi assim que o Bread and Puppet entrou na minha vida. Bonecos incríveis, enormes, tomando toda avenida, tristes, de branco e negro vestidos, em protesto mudo contra uma guerra que eu nem tinha até então noticia, a guerra do Vietnam. Foi assim enfim que o teatro de bonecos entrou de vez na minha vida. Tímida e queda, por curiosidade, sempre que podia ia ajudar a colar papel ou cellastic nas máscaras ou bonecos políticos de Peter Schumann que com suas incríveis esculturas e personagens enormes protestava já contra a  então  guerra do Vietnam. Essa foi a mudança da minha vida: boneco em teatro para adultos ou crianças por alguma razão virou paixão. Entrei nessa.  Aluguei um quase porão e passei a ter um ateliê onde confeccionávamos e ensaiávamos, pois cheguei a formar um grupo. Lá estreei meu primeiro espetáculo para adultos, político, e sobre um fato real: Palomares.  E assim mudou  minha vida. Até hoje.

Depois de 15 anos em  Nova Iorque, com dois filhos, achei melhor voltar, pois não queria que eles deixassem de ser e viver o Brasil.  Voltei de vez. Passei a dar aula na ECA/USP, achei fundamental ajudar a formar bonequeiros. E essa é minha família, até hoje.

 

Esta é uma modalidade destinada apenas ao público infantil ou também ao adulto?

AMAA: Antes  de tudo acho que arte, teatro, pintura, não tem idade. Não vejo diferença alguma entre teatro para e com crianças ou adultos. As crianças são mais sensíveis, mas por isso mesmo a gente precisa ter em relação a elas mais sensibilidade, pois nem tudo é bom para as crianças. E por influência de Peter Schumann [fundador do Bread and Puppet Theater] passei a entender e a falar com os adultos através de bonecos, de máscaras; mais tarde, usando objetos, formas abstratas que tanto crianças quanto adultos entendem e por meio das quais percebem melhor o sentido das coisas que nos rodeiam e não chegam só através das palavras, mas das formas, do choro, do medo, da fantasia e do riso.

Não há diferenças quando o meio que usamos para nos expressar – seja uma figura humana, um ator ou um boneco, uma forma inusitada ou uma pedra, um fio fino e sutil, um rosto – nos transmite  emoção. E tudo fica muito mais amplo ou complexo.

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A introdução do livro Teatro de Animação diz que esse teatro tem se desenvolvido extraordinariamente. A que isso se deve?

AMAA: Acho que muita coisa muda quando se deixa de usar em excesso as palavras, apesar que as palavras podem ser também poéticas,  mas nem sempre… pois uma forma  ou figura, às vezes, fala muito mais.

O livro diz que o teatro de animação, por falta de parâmetros, muitas vezes é ignorado pela crítica especializada ou apresentado como inusitado. Nesse sentido, quais são os principais parâmetros para avaliar o teatro de animação?

AMAA: Não consigo definir esses parâmetros, mas o que existe  é pouco teatro bom de animação no palco. Ou há dificuldades de entrar e se manter em  cena, ou muito preconceito contra, quando o que mais aparece não é fruto de experimentação, busca ou pesquisa.

 

Fale, por gentileza, sobre as experiências que o teatro de animação proporciona ao público.  

AMAA: Teatro é fantasia. Acho que o bom é tudo que não é muito real. Ou quando não é resultado de pesquisa. E quando vai além do racional não é entendido. Mas se perturba é porque é bom, seja ele real ou poético.

 

Em um mundo em que as crianças se interessam cada vez mais cedo por produtos tecnológicos como tablets e celulares, o teatro de animação tem um desafio frente a esse público?

AMAA: O teatro de animação é, antes de tudo,  não realista. Mas, me parece às vezes que o que se está perdendo em meio a muita tecnologia é a poesia.

 

O lúdico perdeu lugar entre esse público ou não?

AMAA: Qual publico? O bom seria não se fazer muita distinção entre crianças, poetas, loucos e adultos. Ou que os adultos gozassem mais com fantasias.

 

Como enfrentar esse desafio? Como despertar o interesse das crianças nesse contexto?

AMAA: Acho que mais importante é despertar a criança que existe (ou existiu) nos adultos. E manter sempre vivo o lúdico e não levar a vida ou o dia-a-dia muito a sério.

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