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Leitura, cognição e cultura

A leitura é uma atividade que traz mais que novas informações; ela nos ajuda a conhecer o passado e a exercitar nossa capacidade de abstração e criatividade

Antônio Suárez Abreu*

antonio suarezBenjamin K. Bergen, professor de ciência cognitiva da Universidade de San Diego, Califórnia, escreveu recentemente um livro instigante chamado LouderthanWords, onde narra suas pesquisas sobre leitura no Laboratório de Linguagem e Cognição da sua universidade.   Segundo ele, à medida que lemos um texto, nossa mente vai construindo, inconscientemente, imagens vinculadas a ele.  Se lemos a respeito de um bife no açougue, imaginamo-lo de cor vermelha, mas, se lemos a respeito de um bife no prato, imaginamo-lo de cor marrom, tostado. Segundo ele, quando ouvimos ou lemos um texto de ação, que contém movimentos, o local de nossas mentes responsável por eles reproduz os movimentos, como se os estivéssemos de fato praticando.   A conclusão a que chegamos é que ler não nos traz apenas novas informações, mas exercita enormemente nossa capacidade de abstração criativa.

Um outro fato importante é que, em nosso dia a dia, tudo o que fazemos tem relação com nosso passado.  Se chegamos à frente de um elevador, sabemos que temos de apertar um botão para chamá-lo e, ao entrar nele, um outro, situado na parede, correspondente ao andar que queremos atingir.  Fazemos isso por analogia, porque já utilizamos, anteriormente, muitos outros elevadores.   Somente conseguimos viver e agir em nosso presente, graças ao nosso passado.   Se nossa memória passada fosse apagada subitamente, não poderíamos sequer dar um passo à frente.  Bem, é aí que surge um outro fator importante da leitura.  Por meio dela, podemos tornar também disponível para nós o passado de outras pessoas.   Antes da descoberta da escrita, cada geração partia da estaca zero, pois não dispunha dessa memória armazenada. Certa vez, quando elogiado por seus feitos científicos, Isaac Newton disse: “Se eu vi mais longe foi por estar sobre ombros de gigantes”, fazendo alusão aos conhecimentos obtidos pela leitura daqueles que o haviam antecedido.

Ler carrega nossas mentes com informações que nos permitem ser criativos, adaptando conhecimentos passados a situações presentes, utilizando elementos da ciência e tecnologia que não estavam disponíveis em épocas anteriores.  Foi o que aconteceu com Alan Turing, quando criou seu primeiro computador, durante a Segunda Guerra Mundial.  Ele foi buscar no passado as experiências de Charles Babbage e Ada Lovelace, filha de Lord Byron, criadores dos algoritmos que levariam, hipoteticamente, à construção de uma Máquina Analítica, cuja existência era impossível no século dezenove, quando havia apenas recursos mecânicos e não os eletrônicos com que contava Turing, já na metade do século vinte.

E a leitura de ficção?  Bem, estou falando de grandes autores como Shakespeare, Oscar Wilde, Machado de Assis e não de best-sellers descartáveis.  Quando lemos essas grandes obras, temos duas coisas a ganhar: a possibilidade de “viver outras vidas” e a possibilidade de conhecer épocas e culturas diferentes.   O grande escritor peruano Mario Vargas Llosa, ganhador do prêmio Nobel de Literatura, falando sobre leitura de ficção, nos diz:“Condenados a uma existência que nunca está à altura de seus sonhos, os seres humanos tiveram que inventar um subterfúgio para escapar de seu confinamento dentro dos limites do possível: a ficção.  Ela lhes permite viver mais e melhor, ser outros sem deixar de ser o que já são, deslocar-se no espaço e no tempo sem sair de seu lugar nem de sua hora e viver as mais ousadas aventuras do corpo, da mente e das paixões, sem perder o juízo ou trair o coração.”

Além de viver outras vidas em nossas mentes – e aprender e crescer com elas – quase sempre nos deparamos com informações interessantes sobre o mundo presente ou passado.  Lendo o clássico To Kill a Mockingbird, de Nelle Harper Lee, topamos com a descrição de um meio de transporte chamado “HooverCart”.  Ficamos, então, sabendo que nos Estados Unidos, durante a grande depressão dos anos 30, pessoas que tinham comprado automóveis e não tinham mais dinheiro para a gasolina arrancavam seus motores e atrelavam cavalos ou mulas à lataria, improvisando um meio insólito de transporte, batizado, por ironia, com o nome do presidente americano da época Herbert Hoover.

Ler, enfim, é muito mais que simplesmente informar-se. Leitura é diversão, uma maneira de conhecer realidades distantes no tempo e no espaço e de colecionar uma bagagem cultural ampla, que nos ajuda a entender o mundo de uma maneira mais vasta e profunda.

 

* Antônio Suárez Abreu é professor titular de Língua Portuguesa da UNESP, professor associado da USP e autor de vários livros sobre a linguagem.

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