Da academia à ficção

Trajetória de O mistério do Leão Rampante assemelha-se à da Ateliê Editorial, editora que se lançou no mercado com a publicação deste título: se no caso do livro um projeto acadêmico originou uma ficção, a editora publica, hoje, tanto estudos quanto literatura

Por Rodrigo Lacerda*

Leão-Rampante---20-Anos

 Eu escrevi O mistério do leão rampante por acaso. Era 1994, eu tinha 24-25 anos e estava me formando na faculdade de História na USP. Milagrosamente, havia surgido uma professora disposta a me orientar no mestrado, Janice Theodoro, uma das intelectuais mais inquietas do departamento. Ela iniciava então um curso de pós sobre as fronteiras entre literatura e história, ou sobre “meta-história”, como era moda falar, e me convidou a acompanhá-lo como ouvinte. O trabalho final do curso pedia que transformássemos nosso projeto de tese num livro de ficção.

Sentei na frente do computador com duas coisas em mente: o texto deveria soar abarrocado, irônico e sonoro como o dos meus escritores preferidos – João Ubaldo Ribeiro e Eça de Queirós –, e ter a estrutura simples e o humor leve do libreto da ópera Don Giovanni, de Mozart/Lorenzo da Ponte. Escrevi tudo em quinze dias, consultando documentos de feitiçaria do século XVIII, manuais de heráldica e textos sobre Shakespeare.

O que saiu foi uma novela histórica meio bufa, passada na Inglaterra Elisabetana, na qual a concepção de indivíduo em Shakespeare (o pretensioso tema da minha tese) é o assunto de fundo. Orgulhoso do resultado, e surpreso, mostrei para a orientadora, que adorou. Em seguida mostrei aos amigos, também com boa resposta.

Nessa mesma época, eu havia conseguido um emprego na editora da USP. O diretor editorial Plínio Martins Filho – um dos responsáveis por fazer da Edusp uma editora de verdade, com equipe e catálogo próprios, e não um mero BNDES editorial para os empresários do ramo – já estava por lá. Eu o conhecera rapidamente dois ou três anos antes, logo que chegara a São Paulo, quando intermediei uma co-edição Nova Fronteira-Edusp.

Um belo dia, passei a ele uma cópia de O mistério do Leão Rampante. Sinceramente não lembro se, além da sua opinião, havia implícito ou explícito no meu gesto um pedido de ajuda para a publicação. É muito provável que houvesse, seria até natural. Mas eu jamais poderia prever a sorte que eu tive.

O Plínio me disse que sempre havia tido vontade de abrir a própria editora, mas nunca aparecera um livro que o animasse a botar mãos à obra. Agora, ao ler o Leão Rampante, sentira o clic:

“Você aceita ser o primeiro livro da minha editora?”

Assim nasceu a Ateliê Editorial.

Ele colocou uma única condição: o livro precisaria do prefácio de algum escritor da minha preferência ou de um professor da universidade. Fã incondicional do João Ubaldo Ribeiro, sugeri ao Plínio que tentasse com ele. O Plínio, acatando a sugestão, mandou um Sedex para a Academia Brasileira de Letras, com uma carta e uma cópia do livro. Não houve resposta. Então apelei ao meu pai, amigo e àquela altura ainda editor do João Ubaldo, perguntando se teria a cara de pau de pedir um textinho de apresentação diretamente. Ele teve.

Semanas depois, eu estava na Edusp, trabalhando pela manhã, quando minha irmã telefonou. Com a voz excitada e emocionada, e meu pai ao seu lado, ela disse que passaria por fax (ainda não se usava internet para esse tipo de coisa) o texto que haviam acabado de receber do nosso ídolo familiar. E me lembro de ver o timbre da ABL saindo da máquina, seguido pelo texto curto, mas com adjetivos poderosos, que fez meu ego inflar mais instantaneamente que um air bag.

Não tenho muitas lembranças da produção do livro. O projeto gráfico é do Plínio com seu sócio na época, um colega nosso de Edusp. Lembro vagamente de rever as provas, e nitidamente de escrever as orelhas. O lançamento aqui em São Paulo foi marcado para o dia 31 de maio de 1995. Talvez essa falta de memória para detalhes da produção deva-se ao fato de que minha filha, Clara, nasceria logo depois, em julho, e eu vivia essa expectativa muito intensamente. Ter um filho, escrever um livro…

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Frente e verso do convite do lançamento em São Paulo

 

 

 

 

O lançamento paulista foi na livraria do Pedro Correia do Lago, na rua João Cachoeira, 267, Itaim. No Rio, o lançamento foi no Shopping da Gávea, na livraria Timbre, do histórico Aluísio Leite e sua ótima sócia Kiki. O livro ganhou boas resenhas em quase todos os jornais. O escritor João Antônio, que viraria tema do meu doutorado, e minha mestra shakespeariana Bárbara Heliodora, o editor-escritor-jornalista-professor Paulo Roberto Pires, o jornalista-romancista Sergio Rodrigues, e a jornalista-professora-produtora cultural Cristiane Costa foram alguns dos que escreveram falando bem dele.

Um elogio maravilhoso foi o do jornalista Jorge Vasconcellos. Ele, nessa época, juntamente com o amigo Claudiney Ferreira, tinha um programa sobre literatura no rádio chamado Certas Palavras. Chegando para mim, o Jorge perguntou: “Foi você mesmo que escreveu esse livro?”

Achando curiosa a pergunta, respondi:

“Foi, por quê?”

“Poxa, é que eu não dava nada por você…”

Não é toda hora que a gente reverte uma opinião dessas!

 

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O Certas Palavras daria ao livro o primeiro prêmio de Melhor Romance. Em final de 1995, comecinho de 96, precisei voltar a morar no Rio de Janeiro. Por isso, enquanto as votações do prêmio Jabuti corriam, eu e o Plínio estávamos torcendo longe um do outro. Lembro que, em alguma conversa com ele, eu argumentei que achava impossível ganhar, pois concorria com vários nomes já consagrados:

“Seria como o Madureira chegar na final da Copa do Mundo.”

 

Um dia, no meu trabalho, chegou a lista dos premiados e a letra do Plínio bem grande na página:

“O Madureira chegou!”

*Autor de O Mistério do Leão Rampante

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