Busca por Solidariedade

Renato Tardivo

Untitled

Dois Dias, Uma Noite (2014), filme dirigido pelos irmãos Dardenne e protagonizado por Marion Cotillard, é uma daquelas obras que comprovam que o cinema de ficção ainda detém um papel social importante. Os irmãos Dardenne têm se notabilizado, na última década, ao filmar os dilemas da classe média baixa francesa sem maniqueísmos ou afetações, e estão em sua melhor forma nesse último filme.

Sandra, a personagem de Cotillard, é demitida da fábrica onde trabalha após um período afastada por causa de uma depressão. Quando ela retornaria ao trabalho, o patrão delegou aos colegas de Sandra, por meio de votação, a seguinte decisão: ou eles recebem um abono de mil euros ou Sandra é reintegrada à equipe. Dentre os 16 votos, ela recebe apenas 2. Ocorre que, com o apoio de uma das colegas, Sandra consegue que uma nova votação seja realizada. E começa, então, sua odisseia: bater de porta em porta, durante todo o fim de semana, para convencer os colegas a abrir mão do abono e votarem por ela.

Valendo-se de uma linguagem documental, o filme abusa dos planos-sequência e da câmera na mão de modo a transportar o espectador à busca angustiante de Sandra, sobretudo porque ela não está apenas preocupada com o sustento de sua família, mas compreende que o abono de mil euros seja importante para os colegas e suas famílias: Sandra vê o outro. E a forma que os irmãos Dardenne encontraram para filmar isso é fazer com que o espectador veja Sandra. Seu suor, seu cansaço, sua tristeza, sua esperança – a câmera desvela as virtudes e fraquezas dessa mulher, e Marion Cottilard, quase sempre em cena ao longo dos 90 minutos, está impecável.

O filme funciona, também, como uma crítica atual aos mecanismos de opressão no trabalho. Com efeito, ao delegar aos subordinados a decisão pelo emprego de Sandra ou pelo abono, o capitalista deixa que a bomba exploda do lado mais fraco. Mas, diante disso, Sandra não propõe um motim ou coisa que o valha. Em outra direção, o filme empreende um mergulho na complexidade do sistema e propõe que reflitamos sobre ele.

É assim que, mais que apontar culpados ou inocentes, Dois Dias, Uma Noite, do título ao último plano, é o retrato de uma busca – a busca por solidariedade. Talvez por isso a luz do filme seja predominantemente branda: uma fotografia clara, com tons de rosa e verde, marca o triunfo do que realmente importa. E não é necessariamente o capital.

 

Coluna Resenhas - Renato Tardivo

Renato Tardivo é mestre e doutorando em Psicologia Social da Arte pela USP e escritor. Atua na interface entre a estética, a fenomenologia e a psicanálise. É professor universitário e escreveu os livros de contos Do Avesso (Com-Arte) e Silente (7 Letras), e o ensaio Porvir que Vem Antes de Tudo – Literatura e Cinema em Lavoura Arcaica (Ateliê).

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