Produção literária forma um conjunto coeso e expressivo

Luís Augusto Fischer | Folha de S. Paulo | 19 de Junho de 2014

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Romances são incursões densas por temas nacionais e estrangeiros, mas foram eclipsados por carreira musical

Contra o reconhecimento da excelência do Chico Buarque romancista pesam fatores vastos.

Um deles terá a ver com o simples ciúmes: como pode ser um gênio da canção, com capacidade de expressar os sentimentos de todo e qualquer brasileiro, seja também bamba no gênero de maior prestígio letrado?

Mas é. Seus quatro romances, um conjunto coeso, dos mais expressivos na atualidade em qualquer língua ocidental, são incursões substantivas tanto em temas de raiz estritamente brasileira quanto internacionais.

Benjamim (1995) revisita a ditadura militar brasileira, e Leite Derramado (2009) dá voz a um moribundo herdeiro da velha história patriarcal escravagista nacional.

Já a violência terceiro-mundista aparece em Estorvo (1991), enquanto Budapeste (2003) trata do desenraizamento e a morte das identidades modernas.

Outro fator contra o reconhecimento do Chico romancista tem a ver com suas canções. Nelas, ao menos duas gerações aprenderam a ver, a sentir, a entender o país.

Nessa educação, Chico foi talvez o mais importante artista brasileiro, a marcar para sempre nosso ser-no-mundo como uma visada gentil, delicada, lírica e precisa na exposição dos sentimentos vividos por quase todos.

Ocorre que esse professor de delicadeza concebeu seus romances sempre na pauta do mal-estar, em que nada é nítido e pacífico, nunca se experimenta descanso.

Os romances dão vida a protagonistas não apenas losers, mas também anômalos, a quem não resta saída alguma – e essa sensação de rato encurralado está na superfície do enredo, mas, mais importante, na arquitetura narrativa, no ponto de vista nublado que informa o relato.

Terceiro fator: filho do ensaísta que expressou o tema da cordialidade, além de tudo Chico é um exímio, um requintado estilista do português, numa tradição literária bastante pedestre nesse quesito.

Assim como nas leras das canções, em seu romance ele é capaz de imprimir marcas retóricas em entranhada ligação com o temperamento e a história dos personagens.

O QUE HÁ PARA LER – Trabalhos sobre a obra do Artista

FIGURAS DO FEMININO NA CANÇÃO DE CHICO BUARQUE

Adélia B. de Meneses

Ateliê Editorial, R$ 57,00 (168 págs.)

– Estudo sobre a representação das mulheres na obra.

DESENHO MÁGICO – POESIA E POLÍTICA EM CHICO BUARQUE

Adélia B. de Meneses

Ateliê Editorial, R$ 52,00 (248 págs.)

– A autora faz um original paralelo entre a obra do compositor e o período do regime militar.

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