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“Se eu não fosse seu amigo, você me roubaria?”

Renato Tardivo

Sofia Coppola, jovem cineasta estadunidense, já se notabilizou por uma forma blasé de fazer cinema. A esse propósito, se em Um Lugar Qualquer (2010) ela exagera no estilo “nada acontece”, o significativo Encontros e Desencontros (2003) apresenta um bom contraste entre o minimalismo formal e o encontro desencontrado dos protagonistas (vividos por Bill Murray e Scarlett Johansson) em uma Tóquio repleta de luzes, anúncios, sons, imagens, línguas, pessoas.

Bling Ring

        Seu filme mais recente, The Bling Ring: A Gangue de Hollywood (2013), é uma ficção inspirada em fatos reais. O longa conta a história de um grupo de adolescentes de Los Angeles cujo hobby era invadir mansões de celebridades em Hollywood, revirar seus guarda-roupas e gavetas, roubar objetos de valor, dar uma volta em seus carros luxuosos.

        Antes de virar filme, as invasões provocadas pelos adolescentes foram tema de artigo na Vanity Fair, escrito por Nancy Jo Sales. Com efeito, os jovens não dominavam técnicas elaboradas de arrombamento nem eram especialistas em furar sistemas de segurança. As casas grandiosas estavam lá, praticamente abertas – uma chave debaixo do capacho, um vão não estreito o suficiente para a passagem do corpo de uma menina magra etc. Era fácil entrar.

        A proposta do filme é interessante: em um mercado cinematográfico em que esses mesmos jovens quase sempre aparecem como heróis, modelos a ser seguidos ou, no polo oposto, enquanto outsiders, atiradores suicidas e por aí vai, os jovens filmados por Sofia Coppola não são exatamente uma coisa nem outra. Rostos bonitos, bem cuidados e bem alimentados são também filhos (e frutos) de uma sociedade que promove a diversão instantânea e efêmera a todo custo.

        Para uma parte considerável da crítica, o filme perdeu a chance de explorar a fundo essa outra perspectiva da juventude: são abordados poucos aspectos de seus mundos familiares, o foco tampouco recai sobre seus dilemas existenciais etc. Ora, em se tratando de Sofia Coppola, seria mesmo muito improvável que o filme trouxesse esse tipo de densidade, mas, do meu ponto de vista, nem por isso é superficial. Ao contrário, The Bling Ring cumpre bem o projeto a que se propõe.

        Os muitos estímulos – roupas, músicas, drogas, cores, velocidade –, essa frágil efervescência de que é feita a sociedade do espetáculo é captada pela lente de Coppola sem anestésicos – aquelas sequências introspectivas tão frequentes em Encontros e Desencontros, por exemplo –, salvo exceções. As tomadas internas nos carros trepidam – há inclusive um plano-sequência interrompido por uma colisão de automóveis, como os que estamos acostumados a ver em alguns filmes latino-americanos recentes –, o garoto, escondido em seu quarto, usa sapatos de Paris Hilton e batom, atrizes famosas aparecem (fazendo o papel de si mesmas) quase como figurantes em festas badaladas… Em suma, o filme de ficção é altamente documental.

        Então, se por um lado a direção de Coppola parece mais agressiva, é porque a agressividade pertence ao mundo. E aqui tem lugar a já conhecida sutileza da cineasta, que não espetaculariza uma sociedade já tão espetacularizada. Assim, cenas reais de televisão aparecem poucas vezes, as indicações de que a história é em flashback são minimalistas e, principalmente, a realidade da profusão de imagens e informações é aquela onde o mais é menos e o caminho para se tornar celebridade é cínico: não é que apenas se roubem celebridades (pessoas), rouba-se sobretudo a celebridade (condição).

        “Se eu não fosse seu amigo, você me roubaria?”, pergunta o garoto para a líder do grupo, de algum modo já se colocando no lugar da celebridade que queriam (e iriam) se tornar. A pergunta é pertinente ao extremo e parece abarcar os elementos mais importantes da situação. Sofia Coppola deixa sutilmente o recado de que a reflexão deve partir da realidade, não do filme. E, nesse sentido, seu filme não é superficial. Superficial é este mundo. Somos nós.

Coluna-Resenhas-Renato-Tardivo

Renato Tardivo é mestre e doutorando em Psicologia Social da Arte pela USP e escritor. Atua na interface entre a estética, a fenomenologia e a psicanálise. É professor universitário e escreveu os livros de contos Do Avesso (Com-Arte) e Silente (7 Letras), e o ensaio Porvir que Vem Antes de Tudo – Literatura e Cinema em Lavoura Arcaica (Ateliê).

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