O Efêmero e o Perpétuo em Embate

Renato Tardivo

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Tempos da Fotografia - Boris KossoyOs Tempos da Fotografia – O Efêmero e o Perpétuo é o terceiro livro da série de Boris Kossoy (fotógrafo, professor e pesquisador) sobre a teoria da fotografia. Fotografia & História e Realidades e Ficções na Trama Fotográfica são os outros títulos. O livro, que recebe um belo prefácio de Cremilda Medina, divide-se em “Introdução” e três seções: “Teoria e Metodologia: Conceitos, Proposições, Abordagens”; “Imprensa e História”; “Imaginário e Memória”. Cada uma das seções contém mais de um capítulo. Os textos, à exceção do último – “Castelos de Cartas, Castelos de Areia” –, foram reformulados e ampliados a partir de conferências, aulas magnas, artigos etc.

O capítulo inicial apresenta um vasto apanhado de conceitos e reflexões metodológicas que nortearam a “produção teórica e histórica em torno da imagem fotográfica” por parte do autor. Entre outras importantes questões, Kossoy nos alerta para a necessidade de que se “compreenda o papel cultural da fotografia: o seu poderio de informação e desinformação, sua capacidade de emocionar e transformar, de denunciar e manipular”. A fotografia é, portanto, um objeto cultural, que “desvenda fatos” os quais “não se mostram” e desperta um “passado desaparecido”.

Na segunda seção, “Imprensa e História”, o autor traz a importante reflexão acerca do potencial ideológico que envolve as imagens, seja ao consagrar determinados fotógrafos (habilidosos ou não), seja ao “constituírem instrumento de manipulação política e ideológica”. Afinal, mesmo “pensada enquanto testemunho ‘documental’”, a imagem é “inevitavelmente fruto de um processo de criação”, que parte, por sua vez, de um ponto de vista.

A seção 3, “Imaginário e Memória”, talvez seja a mais interessante do livro, uma vez que reúne os aspectos teórico-conceituais da primeira seção e os elementos da crítica ideológica contidos na segunda. “Fotografia é memória […] É o assunto ilusoriamente re-tirado de seu contexto espacial e temporal, codificado em forma de imagem”. E, conquanto não seja o foco principal da reflexão do autor, Kossoy inclui, como não poderia deixar de ser, uma discussão acerca da tendência à “saturação” que os meios eletrônicos, nos últimos anos, implicam na apreciação das imagens.

Finalmente, é inspiradora a analogia entre a câmara fotográfica e a máquina do tempo: “Com a fotografia, descobriu-se que, embora ausente, o objeto poderia ser (re)apresentado, eternamente”. Esse embate entre “o efêmero e o perpétuo”, já presente no subtítulo da obra, faz lembrar as concepções acerca da temporalidade do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, em sua Fenomenologia da Percepção, para quem o presente, esse instante sempre fugidio, é o embate entre passado e futuro. E, nessa direção, podemos nos remeter também às proposições de Roland Barthes em A Câmara Clara, livro-depoimento no qual o autor afirma que a fotografia provoca um sentimento doloroso e enigmático por ser “imagem viva de uma coisa morta”, um “isso foi”.

Os Tempos da Fotografia é leitura indispensável àqueles que se dedicam à pesquisa fotográfica, mas servirá também a quem vislumbra nessa linguagem uma forma de expressão que, como escreveu Barthes, tem a potência de revelar “o que já não é”.

Coluna Resenhas - Renato Tardivo

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