Treze*

Treze - Ficção Interrompida

GG. contou tudo no início da noite. Depois que o aviso para colocar o cinto de segurança foi desligado. Então GG. contou que voltava de Londres ainda com um vestígio de raciocínio, mas o que ele não sabia é que por dentro do seu corpo de capoeirista não havia (e nunca houve) nenhum S. Poderia ser um, ou dois, ou muito mais de cem: mas os Ss mesmo não havia. Desapareceram para sempre. Para ele tudo era um. Mesmo lá em cima, no ar, quando voltou de Londres nove horas sem falar. Disseram-lhe apenas excuse me, na hora em que o passageiro do lado derramou suco de tomate sobre sua calça branca quando pulou por cima das suas pernas para ir ao banheiro. Apenas uma palavra: excuse me. Nove horas durante. Mesmo que não existisse nenhum S em um, em dois, em mais de mil. Que importam os Ss se o que mais ele queria era descer embaixo do sol, dentro do Carnaval, gemer muito enfiando seu cacete suado em alguma cavidade seja ela qual for, mas onde coubesse o seu cacete bem direitinho. Assim, reto, como quando ele era criança e entrava no túnel sentado ao lado de papai e de mamãe no trem fantasma. Então, quando o aviso do cinto fosse desligado outra vez ele poderia beijar todos aqueles corpos, tomar a bênção a sua avó, rezar, acender uma vela e esquecer o passado: a bomba explodindo entre os avisos do metrô e muito mais não lembrar daquelas almas voando como pigmentos pelas janelas amanhecidas.

*No voo entre Londres e Salvador, o capoeirista sem nenhum plural.

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Diógenes Moura

Conto extraído do livro Ficção Interrompida [uma caixa de curtas]

Vencedor do Prêmio APCA de Contos/Crônicas 2010

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