Hibridismos Musicais de Chico Science & Nação Zumbi – Herom Vargas

Hibridismos Musicais de Chico Science & Nação ZumbiGuardião do mangue, o caranguejo preserva o equilíbrio do ecossistema, alimentando-se de detritos e oxigenando a lama ao revolvê-la. Não é à toa que se tornou uma das principais imagens do Manguebeat, movimento estético-musical de vanguarda criado por um grupo de jovens nos anos 90, entre eles, Chico Science, líder da banda Nação Zumbi, e um de seus principais mentores.

Como o crustáceo, o Manguebeat se propôs a revolver a cena musical de Recife para arejá-la ao sopro das vanguardas pop e das tecnologias eletrônico-digitais, ligando-se também à cultura tradicional de Pernambuco, com criações híbridas nas quais influências distintas se amalgamavam a favor da experimentação, da crítica sociocultural e da recuperação das tradições populares. O movimento, que tanto impacto teve para a identidade artístico-cultural do estado nordestino e da cultura brasileira em geral, é tema de Hibridismos Musicais de Chico Science & Nação Zumbi, do professor de comunicação Herom Vargas.

O foco são os dois primeiros discos lançados pelo grupo Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ) – Da Lama ao Caos (1994) e Afrociberdelia (1996) –, produzidos antes da morte de Science, em 1997. Vargas analisa em particular as mesclas de ritmos e instrumentos afro-brasileiros (maracatu, alfaias, embolada, por exemplo) com gêneros musicais globalizados (rock, rap e funk/soul) e os hibridismos poético-musicais presentes nas canções. O híbrido é um conceito que tem sido muito debatido em função dos estudos sobre pós-modernidade e sobre cultura latino-americana; de natureza sincrética, desafia as noções correntes sobre identidade, trazendo à cena combinações provisórias e inusitadas.

Segundo Herom Vargas, sua análise é fundamentada“no debate teórico-ide- ológico que deu origem, em parte, à cena Mangue, entre as posições tradicionalistas e ‘essencialistas’ dos armoriais, consubstanciadas em Ariano Suassuna, e as posições antropofágicas e híbridas tomadas pelo Manguebeat”.

O livro divide-se em quatro capítulos. “Armoriais, Nacionalismo e Tradição de Essência” destaca as posturas nacionalistas e tradicionalistas ligadas à cultura pernambucana nas vozes de Mário de Andrade, Gilberto Freyre e Ariano Suassuna, com enfoque no Armorial (movimento estético criado nos anos 70, que associa a arte sertaneja ao medieval ibérico), e faz um contraponto entre o discurso purista da ditadura militar e o tropicalista do final de 60. Já “Hibridis- mos do Mangue” apresenta o Manguebeat (conceitos, manifestos, emblemas etc.), o contexto de seu surgimento, os paralelos com o tropicalismo, questões de identidade cultural etc. “Chico Science & Nação Zumbi”, capítulo central do livro, analisa o trabalho do grupo nos dois discos – capas, performances, letras, estruturas rítmicas e arranjos instrumentais. Por fim, “Nação Zumbi e os Hibridismos” retoma a produção da banda pós-Science e as discussões a respeito dos hibridismos. A obra traz ainda um apêndice que analisa a miscigenação como elemento-chave das dinâmicas musicais latino-americanas.

Herom Vargas é doutor em Comunicação e Semiótica, professor, membro da seção latino-americana da International Association for Study of Popular Music (IASPM- AL) e líder do grupo de pesquisa Música, Cultura e Linguagens da Mídia (CNPq).

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