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“Inocência”, um dos mais famosos romances de Visconde de Taunay

Inocência foi lançado em 1872. Escrito por Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay – o Visconde de Taunay – este romance regionalista traz para o leitor o ambiente do sertão e o comportamento do sertanejo, por meio da história de amor impossível entre Inocência e Cirino. Nesta edição da Ateliê Editorial, Inocência chega ao leitor repleta de notas de rodapé que ajudam a entender o contexto da obra, informações relevantes e outros dados que facilitam e aprofundam a leitura. Com apresentação de Jefferson Cano e ilustrações de Kaio Romero, Inocência tem estabelecimento de texto e notas de José de Paula Ramos Jr, que fala sobre o lançamento com o Blog da Ateliê.

Inocência é, por assim dizer, um “ponto fora da curva” na obra de Taunay, já que é regionalista e trata do ambiente rural. De que maneira esta obra se liga a outras do autor?

José de Paula Ramos Jr: Talvez não devêssemos considerar Inocência um “ponto fora da curva” na obra de Taunay, na medida em que ela apresenta núcleos de interesse diversos, o sertão, a cidade, a guerra, a degradação decorrente do regime escravista, memorialismo, observações de viagens, entre outros. O romance Inocência poderia ser considerado um “ponto fora da curva” na obra de Taunay, sim, na perspectiva estética, pois está muito acima das demais obras do autor do ponto de vista artístico. Inocência é a sua obra-prima.

A trama se passa no sertão do Mato Grosso, ainda durante o século XIX. Durante o século XX, diversos autores escreveram sobre os sertões brasileiros, mas no século XIX, isto ainda não era comum. Podemos considerar esta uma inovação de Taunay ou o cenário é apenas pano de fundo para uma narrativa basicamente de cunho romântico, típica de sua época?

José de Paula Ramos Jr.

JPRJ: Na literatura brasileira, o regionalismo é uma corrente de vasto e prestigiado acolhimento pelo público e pela crítica. Teve início com o romantismo e, desde então, vem sendo tradicionalmente praticado, evidentemente, com as mudanças correspondentes às poéticas culturais que historicamente se sucedem e sempre trazem algo de novo (basta pensar nas inovações trazidas por obras regionalistas de Coelho Neto, de Graciliano Ramos e de Guimarães Rosa, para ficarmos com só três exemplos). Taunay não esteve só na criação do regionalismo literário de nossa literatura. Ao seu lado é possível indicar autores e obras como O Gaúcho, O Sertanejo, Til, O Tronco do Ipê, romances de José de Alencar; não se pode esquecer a contribuição de Bernardo Guimarães, com O Seminarista, O Garimpeiro, O Ermitão de Muquém; é preciso lembrar de Franklin Távora, com O Cabeleira. Entre todos eles, porém, Taunay se distingue como autor do mais belo romance regionalista do nosso romantismo, que já continha aspectos antecipadores do realismo.

Quais os diferenciais desta edição da Ateliê?

JPRJ: A edição do romance Inocência, da Coleção Clássicos Ateliê, oferece ao leitor um texto fidedigno, estabelecido com o rigor da crítica textual. As notas autorais são mantidas e, para o leitor em formação, são acrescentadas notas lexicais e culturais, que contribuem para o entendimento do texto. A edição Ateliê de Inocência é apresentada por Jefferson Cano, professor doutor da Universidade de Campinas, com o ensaio “Natureza, Civilização e a Perda da Inocência”, que enriquece a fortuna crítica da obra.

Quais os aspectos mais interessantes do texto “Natureza, Civilização e a Perda da Inocência” em sua opinião?

JPRJ: O estudo de Jefferson Cano reconstitui o processo de publicação da primeira edição de Inocência e da sua recepção pela crítica literária. O primeiro torna possível entrever algumas das dificuldades enfrentadas pelos autores do século XIX para que suas obras fossem publicadas, fator que certamente se associa à consciência dos editores quanto à incerteza de retorno do investimento, pois o leitorado era diminuto (estima-se que na década de 1870, excluídas as crianças, 78% da população livre do país era analfabeta). A recepção da crítica, por sua vez, foi francamente favorável e é exemplarmente resenhada. Alguns aspectos pertinentes levantados pela crítica pioneira e supérstite são retomados, desenvolvidos, analisados e interpretados de modo original e perspicaz por Jefferson Cano: a paisagem e o homem do sertão não se diferenciam, integram-se, e quando em contato com personagens que representam a cultura urbana, a mútua incompreensão é inevitável, bem como o choque entre essas duas realidades tão diversas – a natureza e a civilização. Outras importantes oposições presentes no romance são destacadas e, nesse contexto, ganha importância o narrador cuja função é demonstrada numa perspectiva tão inédita quanto minuciosa e pertinente.

Visconde de Taunay

Sob quais aspectos a leitura de Inocência pode surpreender o leitor do século XXI?

JPRJ: Um leitor do século XXI pode se surpreender com a leitura de Inocência por várias razões. Entre elas: a alta qualidade artística do texto; a ação verossímil, bem articulada e emocionante; a hábil criação de personagens, tanto em seus aspectos físicos quanto morais; a revelação da cultura dos sertanejos no século XIX, na região de Mato Grosso: seus usos, costumes, tradições e valores, entre os quais se destaca o papel de lamentável degradação das mulheres, totalmente sujeitas aos desígnios arbitrários dos homens.

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