Gramática integral e para todos

Mesmo quem gosta de estudar português nem sempre gosta de gramática. As preferências por vezes recaem sobre literatura ou redação, talvez porque gramática seja considerado um aspecto mais teórico e complexo da língua. É exatamente isso que o professor  Antônio Suárez Abreu procura desmistificar na Gramática Integral da Língua Portuguesa. A seguir, ele explica porque esta é uma gramática diferente:

Por que o título “Gramática Integral”?  Qual foi sua intenção ao dar esse título para a obra?

Antônio Suárez Abreu: Esse título surgiu pelo fato de minha gramática anterior ter sido denominada de Gramática Mínima.  Aquela gramática tratava apenas de temas essenciais para quem queria escrever bem, como concordância, regência, colocação, pontuação.  A atual Gramática Integral é completa.  Trata de Fonética e Fonologia, formação das palavras e estuda, de maneira mais aprofundada, cada uma das classes de palavra.

O subtítulo é “Uma Visão Prática e Funcional”. Pode explicá-lo aos leitores do Blog? Qual a razão desse subtítulo?

ASA: A gramática é prática e funcional, porque procuro mostrar para que serve tudo aquilo que se estuda numa gramática.  Um bom exemplo é a maneira como trabalho com os substantivos abstratos.  As gramáticas que existem no mercado, sobretudo as escolares, tratam esse assunto em três ou quatro linhas apenas, dizendo que os substantivos abstratos nomeiam ações, qualidades, estados e sentimentos fora dos seres a que pertencem, como viagem, beleza, estrago e amor.  Só isso!   Eu procuro mostrar que esses substantivos são derivados de verbos e adjetivos e têm uma importante função prática que é recuperar o conteúdo de uma frase anterior, na frase que vem depois.  Imagine que eu diga algo como:

 

O ECAD, em 2015, exigiu da produção da peça “Querido Brahms” – que usava músicas de alemães mortos no século XIX –  formulários preenchidos com o CPF ou o CNPJ de Johannes Brahms e Robert Shumann.   Essa exigência atrasou em dois meses a estreia da peça.

 

O substantivo abstrato exigência (derivado do verbo exigir), retoma, na segunda frase, todo o conteúdo da frase anterior.  Se eu quiser, posso também utilizar o substantivo abstrato insensatez, derivado do adjetivo insensato, dizendo:

 

O ECAD, em 2015, exigiu da produção da peça “Querido Brahms” – que usava músicas de alemães mortos no século XIX –  formulários preenchidos com o CPF ou o CNPJ de Johannes Brahms e Robert Shumann.   Essa insensatez atrasou em dois meses a estreia da peça.

 

Veja que, nessa segunda versão, além de retomar a frase anterior, eu uso o substantivo abstrato para julgar também a ação do ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos autorais), desqualificando-a.

Antônio Suárez Abreu

Sua abordagem na obra é sistêmica, colocando o uso da gramática em um contexto de uso. Pode explicar ao leitor que ainda não conhece o livro o que isso significa? 

ASA: Procurei mostrar ao leitor como, no uso da linguagem, as pessoas trabalham, de modo inconsciente, com processos cognitivos ligados ao corpo e aos sentidos, com destaque para as imagens.  Por que eu posso dizer algo como: Esses drogados são uma desgraça –  em que sujeito e predicativo são substantivos –  sem fazer concordância nominal?  Afinal, drogados está no masculino plural e desgraça, no feminino singular!  E por que não posso fazer o mesmo, dizendo algo como: Minhas irmãs são professor, se aqui também sujeito e predicativo são substantivos?   Bem, eu procuro mostrar que, se o falante não consegue formar em sua mente uma imagem de um desses termos ou dos dois, não há necessidade de concordância nominal.  Afinal, na primeira frase, embora possamos formar a imagem de drogados, não podemos formar a imagem de desgraça, que é uma palavra abstrata.  Já, na segunda frase, podemos formar tanto a imagem de irmãs quanto de professor; então temos de fazer a concordância, dizendo: Minhas irmãs são professoras.

 

Por falar em contexto de uso, as mensagens de texto em celulares e as redes sociais (principalmente o Whatsapp) fizeram surgir uma escrita diferente da normativa, cheia de abreviações e usos que estão longe do cânone tradicional.  O que você tem a dizer sobre isso? 

ASA: A escrita das redes sociais e a do Whatsapp costumam ser feitas – de modo abreviado ou não – no chamado registro informal, ou coloquial, que é diferente do registro formal, empregado quando fazemos uma conferência ou escrevemos um texto científico.  Um registro não interfere no outro.  Em tempos passados, muita gente também achava que a linguagem das revistas em quadrinho, fartamente lidas pelos adolescentes, influiria no uso da norma culta, coisa que nunca aconteceu.

 

O que o motivou a escrever esse livro? Quanto tempo demorou para escrevê-lo?  Qual foi o capítulo mais trabalhoso e complexo?

ASA: Há muito tempo que faço pesquisas em linguística cognitiva, apresento trabalhos sobre o assunto em congressos nacionais e internacionais e oriento dissertações e teses dentro dessa linha, no Programa de Pós-Graduação da UNESP.  Coordeno também, há uns oito anos, um grupo de pesquisa chamado Grupo de Pesquisa e Estudo em Linguística Cognitiva, cadastrado no CNPq, (o GEPELIC), com reuniões mensais e apresentação de excelentes resultados em encontros científicos.   Ano passado, estivemos presentes em congressos no Brasil, na Alemanha, e até mesmo na Croácia.  Todas essas pesquisas vêm sendo utilizadas com grande sucesso na modernização do ensino de línguas por mim e pelo meu grupo.

A ideia de escrever esse livro foi a de dividir com todos os colegas do país o resultado desse trabalho.  Fazer que as ideias criativas surgidas no decorrer de todas essas pesquisas possam servir para melhorar o entendimento e o ensino da língua portuguesa, a partir daquilo que já se está fazendo agora em países cujo nível de educação está a anos luz do Brasil.  Demorei mais de dez anos para finalizar o livro.  O capítulo mais trabalhoso foi o de Fonética e Fonologia, pois trata de um tema que o público costuma achar bastante indigesto.  Por isso, tive de procurar uma forma de linguagem mais simplificada e exemplos mais acessíveis.  Acho que o resultado ficou bastante bom.

 

Como foi a pesquisa para elaborar essa sua “Gramática”? Alguma outra gramática o inspirou ou ajudou-o a traçar o caminho para chegar no resultado desejado? 

ASA: Bem, eu acredito ter lido quase todas as gramáticas do português, daqui e de Portugal, até mesmo as mais antigas, como a do Jerônimo Soares Barbosa. Mas o que me inspirou mesmo foi a leitura de livros como The way we think, de Fauconnier e Turner, um clássico sobre integração conceptual, que me ajudou entender melhor por que podemos dizer coisas como Cenoura é bom para a vista, interpretando cenoura como um conceito e fazendo a concordância do adjetivo bom não com cenoura, mas com um evento implícito de que ela faz parte, numa frase como: [Comer cenoura] é bom para a vista.  Outras leituras que me ajudaram muito foram livros como Louder than words, de Benjamin Bergen, que trabalha com imagens, e Language, usage and cognitition da Joan Bybee, que trabalha com a questão das expressões formulaicas que nos fazem fazer perguntas como: Onde é que você guardou as chaves, em vez de simplesmente dizer: Onde você guardou as chaves.  A lista é enorme e inclui muitos dos meus trabalhos apresentados em congressos.

 

Por que, em sua opinião, essa é uma gramática diferente de outras?

ASA: É uma gramática diferente das outras, por dois motivos.  O primeiro deles é que, em vez de simplesmente copiar aquilo que havia de melhor nas gramáticas em uso no país, pude pôr em prática, ao descrever problemas gramaticais, estudos recentes que mudaram os paradigmas tradicionais de estudo da língua.  O segundo motivo é que procurei redigir meu texto em uma linguagem simples, bastante acessível, bem diferente do “juridiquês gramatical” que já se tornou padrão no país.

 

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