René Thiollier: o modernista redescoberto

Por: Renata de Albuquerque

“Macunaíma”

Os participantes da Semana de Arte Moderna de 1922 estão presente no currículo escolar brasileiro há décadas. Obras como Macunaíma e Serafim Ponte Grande têm espaço garantido nos vestibulares do país inteiro. Mário de Andrade e Oswald de Andrade são figuras bem conhecidas do grande público. Mas, quando se fala sobre René Thiollier, poucos sabem de quem se trata.

 

O rapaz de origem francesa esteve na Semana de 1922 e acompanhou Mário e Oswald na viagem de “redescoberta do Brasil” às cidades históricas de Minas Gerais, em 1924. Mas as referências ao advogado (formado em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco em 1906) e jornalista, responsável pelo aluguel do Teatro Municipal de São Paulo durante a Semana de 22, são escassas.

Valter Pinheiro fotografado por Diego Souza

Em René Thiollier – Obra e Vida do Grão-Senhor da Villa Fortunata e da Academia Paulista de Letras, o professor do Departamento de Letras Estrangeiras da Universidade Federal de Sergipe, Valter Cesar Pinheiro faz um perfil biográfico dessa figura histórica. O livro, recém-lançado, foi originalmente apresentado como Tese de Doutorado ao Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo em 2014. A seguir, Valter Cesar Pinheiro fala sobre sua pesquisa ao Blog da Ateliê.

 

Por que a figura de René Thiollier é tão pouco conhecida?

Valter Cesar Pinheiro: Conquanto não tenha sido esta a questão central de minha pesquisa, no livro que se apresenta são elencadas razões que talvez justifiquem esse desconhecimento (e alheamento por parte da crítica), dentre as quais destacaria a não reedição de seus livros (que se tornaram, por conseguinte, raros), a ruptura do autor, na década de 1950, com a Academia Paulista de Letras, e o seu conservadorismo (estético, pois passa ao largo dos cânones modernistas cultuados na época em que publicou seus principais títulos, e político, com seu antigetulismo exacerbado).

 

René Thiollier fotografado por Gregori Warchavchik

Em sua opinião, o fato de René Thiollier ter origem francesa tem alguma ligação com o fato de ser um “elo esquecido” da Semana de Arte Moderna?

VCP: A origem francesa de René Thiollier não me parece servir de justificativa para o esquecimento a que foi relegado o autor se se observa que vários partícipes da Semana, de origem estrangeira ou não, chegaram até a escrever – e publicar – em língua francesa, como Sérgio Milliet (que então assinava “Serge Milliet”), Guilherme de Almeida e Oswald de Andrade. Além disso, vários estrangeiros integraram com destaque o grupo (dentre os quais o italiano Victor Brecheret).

As referências a Thiollier na correspondência mariodeandradiana e nos escritos oswaldianos são modestas. Thiollier era brasileiro, morava em São Paulo – tendo exercido na capital um importante papel como “agitador cultural” (notadamente como secretário geral da Academia Paulista de Letras) – e escrevia em português. Não era, portanto, um estrangeiro no grupo. Não ao pé da letra: o que o distinguia (e o teria afastado dos demais) eram seus valores estéticos.

 

Como René Thiollier integrou-se ao grupo modernista? Quais as principais contribuições dele ao movimento?

VCP: Foi por meio de Paulo Prado que René Thiollier conheceu o grupo que se destacaria no evento realizado no Teatro Municipal de São Paulo. Foi Thiollier, aliás, o responsável pelo aluguel do teatro e teve função de destaque na Academia Paulista de Letras (sendo o fundador – e o primeiro diretor – da revista do sodalício).

Da lavra de Thiollier sobressaem, em relação à história do Modernismo Brasileiro, os testemunhos sobre a Semana de 22 (A Semana de Arte Moderna: depoimento inédito de 1922) e a viagem a Minas (“De São Paulo a São João del-Rei”, em O homem da galeria). Além de seu já mencionado importante papel junto à Academia Paulista de Letras, Thiollier destacou-se como sócio-fundador da Sociedade Brasileira de Comédia e do Instituto da Ordem dos Advogados de São Paulo e como membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Associação Paulista de Imprensa.

Pode, por favor, explicar o título do livro?

VCP: Thiollier distinguia-se, segundo a quase unanimidade dos registros encontrados sobre ele, pelo porte aristocrático. Servi-me, ao compor o título do livro, do epíteto que lhe cunhara João de Scantimburgo (Memórias da Pensão Humaitá), amigo da APL e igualmente frequentador dos nababescos almoços oferecidos por Yan de Almeida Prado em seu solar da Rua Humaitá. Tal qual Yan, aliás, Thiollier também era um grande anfitrião. Seu palacete na Avenida Paulista, a Villa Fortunata, ficava no terreno em que hoje se situa o Parque Mário Covas.

 

Do ponto de vista literário, ele é um autor que merece ser conhecido? Por quê?

VCP: Sem sombra de dúvida. Já há alguns bons anos que a crítica tem reavaliado a importância (e o valor estético, por assim dizer) daquilo que ficou conhecido como “Pré-Modernismo”. Por muito tempo, falou-se muito de ruptura, mas pouquíssimo de permanência! A subsistência da estética naturalista na literatura brasileira é algo que merece ser investigado, e a obra de ficção de Thiollier pode contribuir para essa discussão. Em relação à temática, Thiollier deixa um considerável registro do getulismo sob o prisma da aristocracia paulista, assunto inesgotável e de interesse permanente. Eu recomendaria o segundo livro de contos do autor: A Louca do Juqueri.

3 Comentários


  1. Muito interessante! Vou buscar sua tese! Pois então, onde podemos encontrar o livro A louca do Juquery? Não consegui encontrar em nenhuma loja de livros usados ou mesmo nas bibliotecas publicas (pelo menos não aparece no catalogo virtual). Alguém sabe como poderíamos ler esse livro?

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