“Cicatriz” revela o corte como procedimento da escrita

Por: Renata de Albuquerque

O quarto livro de poemas de Eduardo Guimarães traz para os leitores poemas reunidos entre 1995 e 2015. Os vinte anos que o poeta usou para concluir sua obra significaram, para ele, o processo de refinamento, em que ele reescreveu, editou, incluiu e excluiu poemas, em um processo que deixou marcas profundas no poeta e que podem ser percebidas no resultado final, não por acaso, chamado de Cicatriz. A seguir, ele fala sobre o livro recém-lançado:

 

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O poeta Eduardo Guimarães

O que o estimulou a trabalhar em Cicatriz? Quais foram suas inspirações para este livro?

Eduardo Guimarães: Escrever poesia é algo que me acompanha, mesmo que eu não queira. O que me movimentou fundamentalmente na escrita deste livro foi o sentido do corte como o que funda o sentido do poema. O corte como procedimento de escrita, e também o corte como aquilo de que se fala. O corte como o que encontramos na vida de tantos hoje.

Qual o tema central de Cicatriz? Por que o livro recebeu este nome?

EG: Seguindo o que acabo de dizer, poderia considerar que o que me guiou neste livro foi buscar uma certa escrita fundada na economia. Fui intensamente agenciado pelo sentido do corte, do que faz abandonar algo, que faz prestar atenção em algo, que faz o ritmo mudar de curso, que faz ver o sofrimento incontornável. E isto um pouco ligado a um olhar sobre o que são as coisas, a vida, a história. Os vestígios dos cortes, as cicatrizes. E diante das quase certezas destes vestígios, a dúvida que sempre nos indaga.

Você lançou três livros de poesia em um período de cerca de dez anos (1984-1995) e só agora, depois de vinte anos, lança Cicatriz.  A que se deve essa longa pausa?

EG: Num certo sentido, a demora se deveu a que, em um certo momento, pensei ter terminado o livro. No entanto, quando pensei em publicá-lo ele me pareceu um conjunto de poemas que parecia algo inacabado. Assim fiquei relendo refazendo, descartando poemas, fazendo outros, deixando o livro de lado, até que a solução veio quando cheguei na palavra cicatriz – que acabou por se impor como título. Era uma palavra que trazia o corte, o acontecimento e a cicatriz como o que é passado, presente e futuro. Como o que é também outras possibilidades. Isto me permitiu chegar ao peso da palavra como estava, em certa medida, procurando. É como se o corte suspendesse, quase, a sintaxe.

cicatriz2Os poemas de Cicatriz foram escritos de 1995 a 2015, portanto, durante 20 anos. Como foi realizar esse trabalho? Cicatriz é uma coletânea ou foi elaborado como um projeto que teve duração de vinte anos?

EG: Não é uma reunião de poemas escritos no decorrer do tempo e que reuni em algum momento. É efetivamente o projeto de um livro de poemas que fui procurando realizar. Foi um projeto em torno do sentido do acontecimento que produz significação.

Em sua opinião, sua produção poética amadureceu no período? Como harmonizar e equalizar essa produção realizada ao longo de duas décadas? O leitor consegue identificar essas diferenças ou você procurou amenizá-las?

EG: Acho que estes 20 anos levaram a um outro momento da minha escrita. A demora tem a ver com a busca disso também. E a diferença do momento da escrita, penso eu, está trabalhada pelas decisões finais de ajustes e de descartes de poemas. Por outro  lado, durante este período, escrevi outros poemas que apareceram em circunstâncias específicas, inclusive como letra de música.

Sua percepção em relação ao tema central dos poemas mudou? Em caso positivo, isso é perceptível na obra?  

EG: Aprofundou-se, e isto, se estou correto na minha percepção do que fiz, se organiza em torno do que é a palavra cicatriz, e as palavras vestígio e corte. Eu acho que a poesia é uma coisa de palavra.

Na apresentação da obra, Carlos Vogt diz que seus poemas “formam ausências, sentidas, contudo, no corte e na cicatriz de seus descartes”. Pode nos explicar melhor o que isso significa?

EG: Acho que ele percebeu muito claramente uma questão que de alguma forma expressei nas minhas respostas anteriores. O corte como modo de escrita leva tanto a cortar o verso, como cortar um poema, descartá-lo, e a ausência deste poema dá sentido aos outros, exatamente porque o descartado não está no livro.

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