Autor de Eça de Queiroz. Uma Biografia fala de sua paixão pela obra do escritor português e de como foi realizar este trabalho

Alfredo Campos Matos, que interessou-se por Eça ainda na juventude, fala de seu novo livro com exclusividade para o Blog da Ateliê

Por Renata de Albuquerque

Alfredo Campos Matos
Alfredo Campos Matos

“Uma lufada de ar fresco; um assombro”. É assim que o pesquisador português Alfredo Campos Matos define seu encontro com a obra de Eça de Queiroz. Desde então, tornou-se um pesquisador contumaz da obra do escritor português e reuniu seu conhecimento em Eça de Queiroz. Uma Biografia, lançado recentemente pela Ateliê Editorial e pela Editora Unicamp. Foram cinco anos de pesquisas e estudos até chegar às 600 páginas do volume, que traz informações precisas, vasta iconografia e reflexões críticas de quem, por toda uma vida, acostumou-se “estar ao pé” do escritor português.

Matos tem uma ampla biblioteca sobre Eça de Queiroz. Consultá-la “comodamente em casa” – ele afirma que a ida às bibliotecas tinham como foco a consulta de periódicos – certamente ajudou para que o livro fosse muito mais que uma simples biografia, uma obra que também aproxima o leitor de um dos mais importantes escritores portugueses, como quem conhece a intimidade por meio de um livro.

De onde vem seu interesse por Eça de Queiroz?

Alfredo Campos Matos: Começou esse interesse pela juventude, com a descoberta de uma obra-prima, A Relíquia, que, como diz o crítico americano Harold Bloom é tão atual agora como o foi no ano em que foi publicada (1887). Decerto que nessa altura não tinha maturidade suficiente para uma compreensão integral da obra. Ela veio como uma lufada de ar fresco varrer-me uma série de preconceitos religiosos espantando-me a liberdade e a coragem da sua mensagem numa época eivada de fanatismos. Foi um assombro. O seu humor, ironia e crítica social e religiosa deliciaram-me. Parti daí para a leitura de toda a obra de Eça, num ano em que se deram dois acontecimentos importantes: a publicação da biografia de João Gaspar Simões (1945), que me introduziu no ambiente literário do século XIX e em Eça; e no ano em que começou a publicar-se a Obra Completa do escritor, a Edição do Centenário, no Porto. Amante de livros e de leituras, nunca mais deixei Eça como um autor de cabeceira.

Quando publiquei o meu primeiro estudo eciano, pouco depois de chegar a Lisboa, Imagens do Portugal Queiroziano, em 1976 (um estudo sobre o papel do espaço real na sua ficção), estava já suficientemente à vontade. Hoje posso dizer-lhe que vivo dentro de Eça, como costumo dizer. Repare que a sua obra completa tem cerca de 6.000 páginas. Conhecê-lo bem, lê-lo em profundidade é trabalho de uma vida.

Como surgiu a ideia de escrever essa biografia?

ACM: A ideia surgiu pelo convite que me fez em Paris o diretor da Fundação Gulbenkian para que fizesse um trabalho destinado à elucidação do público francês, que dispõe de praticamente toda a sua obra traduzida. Fiz uma 1º versão com uma bela antologia, intitulada Vie et Oeuvre d’Eça de Queiroz, em 2010Essa é uma 1º versão simplificada de uma 2ª edição publicada no Porto, muito mais desenvolvida. A edição brasileira é essencialmente esta versão revista e aumentada. Foi, portanto, um processo gradual muito pensado e trabalhado que me ocupou durante meses a fio.

Em que aspectos seu estudo se diferencia dos demais já publicados sobre Eça de Queiroz?

ACM: Os comentadores e estudiosos não cessam de publicar acerca de Eça de Queiroz. Atualmente as teses acadêmicas sucedem-se em avalanche por toda a parte. Ora o meu trabalho beneficia de todo esse trabalho gigantesco. Aproveito a melhor produção crítica para informar o leitor, resolvendo assim um defeito muito comum em biografias literárias, pois frequentemente o biógrafo não é crítico e erra facilmente lançando levianamente para o papel opiniões de todo errôneas. Eu faço uma triagem criteriosa de toda a crítica mais válida, não abdicando, já se vê, de emitir o meu próprio parecer.

No Brasil, muito se fala a respeito da crítica de Machado de Assis sobre a obra de Eça de Queiroz. Em sua opinião, sob que aspectos a crítica de Machado influenciou (ou não) o trabalho de Eça?

ACM: Como é sabido, Machado fez essencialmente uma crítica moral aos dois romances realistas de Eça, que lhe caíram em casa, subitamente, como uma bomba, numa época em que ele professava declaradamente modelos literários românticos. Mas a crítica ao realismo de escola fez bem a Eça, que deve ter aproveitado a opinião de Machado para refletir acerca dos prejuízos que a obediência a ditames literários rígidos, ditos “científicos”, pode prejudicar um escritor eminentemente fantasista e imaginativo. Isso deve ter ajudado Eça a modificar a sua singradura literária. Por sua vez, Machado refletiu conseguindo mudar o seu rumo através de um processo muito seu que fez dele o enorme escritor que é. Há que considerar ainda que ambos eram profundamente dissimulados, guardando para si o melhor e o mais essencial do seu pensamento… Desse embate fascinante, hoje muito estudado, há que tirar as conclusões acertadas, sem fanatismos nem preconceitos morais ou de escola.

Qual a importância, para o senhor, em ter tido sua obra publicada no Brasil?

ACM: Eu nunca estarei suficientemente grato à Ateliê Editorial e à Editora Unicamp por se terem abalançado a publicar uma obra de cerca de 600 páginas e aproveito a ocasião para salientar o fato de ela não ter gralhas, o que é prodigioso. É uma belíssima edição, excelentemente editada, fiquei satisfeitíssimo. Ela enriquece e honra sobremaneira o conjunto dos meus trabalhos.

De que forma isso contribuiu para sua obra?

ACM: Devo concluir que a publicação da minha biografia no Brasil é o coroamento de uma vida inteiramente dedicada a Eça de Queiroz, tal como será aqui a publicação, ainda este ano, do meu Dicionário de Eça de Queiroz, em 3ª edição, revista e aumentada, com novos colaboradores. Posso informar que está tudo tratado para que ela seja também editada no Brasil. Tem vários colaboradores brasileiros e é uma obra colossal que, num só volume, atingirá cerca de 1500 páginas. Aqui lhe deixo uma grande novidade queiroziana que revelo pela primeira vez numa entrevista. Vou entregar para a semana a última revisão deste enorme texto, que não se destina apenas a intelectuais e especialistas, mas também a simples leitores que nela encontrarão uma informação completíssima acerca de Eça.

Conheça aqui, um pouco mais sobre a obra Eça de Queiroz. Uma Biografia, de Alfredo Campos Matos.

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