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Contrafluxo de Consciência

Renato Tardivo

Coisas do Diabo Contra, de Eromar Bomfim

Dalton Trevisan, Sérgio Sant’anna, Raduan Nassar; mais recentemente, Luiz Ruffato, Marçal Aquino, Rinaldo de Fernandes, Marcelino Freire. Pode-se dizer que já há uma tradição em histórias cruéis na literatura brasileira; histórias em que diversas formas violentas de transgressão da lei ocupam papel central.

Coisas do Diabo Contra, romance de Eromar Bomfim, insere-se nessa temática. O livro se destaca inicialmente pelo projeto gráfico (ao fim, aliás, o leitor poderá relacionar aspectos materiais do livro com a trama narrada): antes do primeiro capítulo, uma série de fotografias de primeiros planos de uma metrópole alude a um cotidiano sombrio e feito de interrupções. E são justamente as interrupções que movimentam essa história: a morte que traz morte em uma cadeia interminável que transborda para a própria linguagem.

Matias Tavares de Aragão, após a morte da esposa, sente-se impelido a matar um homem. Leopoldo Tavares de Aragão, seu filho, presencia o gesto que trará desdobramentos para a sua vida e, por extensão, para a história (narrada por um empregado de Matias). O leitor talvez encontre aqui algo de Camus: as personagens erram contra si mesmas e, assim, constroem (ou destroem?) a sua trajetória (e a dos outros). Ao fluxo de consciência, contudo, equilibram-se descrições da geografia da cidade de São Paulo. Com efeito, um dos méritos do romance é este entrelaçamento entre mundo interno e mundo externo, consciência e mundo.

A banalização do mal, na trama, talvez seja alegórica das modalidades de vínculos que estabelecemos na contemporaneidade, mas com uma diferença fundamental. Enquanto no cotidiano (aquele das fotografias do início) o crime se presta à desimplicação dos sujeitos, em Coisas do Diabo Contra, o movimento é radicalmente oposto: ao escancarar que a história se movimenta pelo desligamento, o leitor certamente sairá deste livro mais implicado ao mundo em que vive e que constrói/destrói.

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Coluna Resenhas - Renato Tardivo

Renato Tardivo é mestre e doutorando em Psicologia Social da Arte pela USP e escritor. Atua na interface entre a estética, a fenomenologia e a psicanálise. Foi professor universitário e escreveu os livros de contos Do Avesso (Com-Arte) e Silente (7 Letras), e o ensaio Porvir que Vem Antes de Tudo – Literatura e Cinema em Lavoura Arcaica (Ateliê).

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