O Sonho dentro do Sonho

Cambaio

Cambaio, musical com texto de João e Adriana Falcão e músicas da célebre dupla Chico Buarque e Edu Lobo, autores do clássico O Grande Circo Místico (1983), teve direção musical de Lenine em sua primeira montagem, cerca de dez anos atrás.

À época, Lenine era (ainda) um dos nomes mais promissores da mpb, tido em alta conta pela crítica e pelo público devido à sua habilidade, inventividade e ao violão com personalidade (talvez, desde Jorge Benjor, a maior novidade no instrumento). A (boa) novidade, entretanto, não foi aprovada com unanimidade e, para alguns, não fez par com o estilo um tanto sóbrio dos autores de “Beatriz”.

Este mês, o musical ganhou cara (ainda mais) nova. Com direção do jovem talentoso Rafael Gomes, arranjos e execuções do versátil coletivo 5 a Seco, que se une à Companhia Empório de Teatro Sortido, o musical conta com Leo Bianchini, Pedro Altério, Pedro Viáfora, Tó Brandileone, Vinícius Calderoni, Tatiana Parra, Mayara Constantino, Geraldo Rodrigues e Guilherme Gorski e está em cartaz no Sesc Pompeia, em São Paulo.

O enredo gira em torno justamente de um espetáculo – um show de música sobre um show de música. A questão metalinguística é colocada antes mesmo do início, quando as três campainhas (para indicar o começo do espetáculo) são acionadas.

Cambaio é aquele que tem pernas tortas; que é cambeta. Talvez possamos pensar esse desvio – algo na direção do gauche que cantava Drummond – encarnado nos pares ficção/realidade, sonho/vigília.

Essas camadas são muito bem trabalhadas no cenário com sucessivos véus. Mas, ainda mais interessante, é o uso que é feito do espaço físico do teatro – o palco do teatro Sesc Pompeia, como se sabe, fica entre duas plateias. Em Cambaio, apenas uma delas é aberta ao público. E, assim, a simetria mesma da plateia é extensão do palco onde habitam os sonhos – as músicas.

Três são as personagens principais – dois garotos (um deles, é verdade, um rato, bem interpretado por um Geraldo Rodrigues muito à vontade) e uma garota. As três perspectivas – o show dentro do show dentro do show – são emblemas de que cambaia – incerta – é a vida.

Fica, contudo, uma certeza: cantar o sonho do outro é, em grande medida, apropriar-se do próprio sonho. E, sem sonho, a vida, esta “irrequieta criatura”, morre.

Coluna Resenhas - Renato Tardivo

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