O suicídio, a arte e os escritores

O suicídio, a arte e os escritores

Apertado entre o fim da infância e o começo da adolescência nasceu meu fascínio pelo suicídio. Começou quando, escrevendo meu primeiro romance, aos 13 anos, senti que meu protagonista deveria romper a própria vida no átrio de um colégio. O livro foi lido em algumas salas, provocou espanto em alguns, interesse em outros, mais pela trama do que pelas tragédias narradas. Então algum deus da escrita bateu sua baqueta num xilofone e eu soube que seria escritor, que na escrita havia esse lugar remoto e profundo onde eu me encontraria por completo.

Quando se acreditava que a arte era uma espécie de desequilíbrio mental, artistas suicidas e a própria arte foram estigmatizados. Mas nenhuma patologia mental ficou restrita aos artistas, por isso só sabemos que cometeram suicídio porque deixaram, através de suas obras, um legado na sociedade e na história cultural de suas respectivas áreas. Como qualquer ser humano, o artista sofre – talvez este sofrimento seja o responsável por seu fazer artístico.

Meu fascínio pelo suicídio é romântico, tem relação com um outro fascínio pela morte em si, esse mistério escuro que nos engole a vida numa colherada. Foi intensificado e melhor compreendido quando conheci a história de Virginia Woolf. A escritora inglesa de Mrs. Dalloway tornou-se minha preferida não só por seus belíssimos romances, mas por sua vida trincada, seus surtos maníaco-depressivos, a tristeza misturada à alegria em suas cartas. Virginia, que lutou com inquietas vozes por quase 50 anos, cuja persistência não a deixava mais trabalhar, escreveu uma carta de despedida para o marido Leonard Woolf, outra para a irmã Vanessa Bell, e aos 59 anos de idade afogou-se nas ferozes águas do rio Ouse.

Outros famosos escritores decidiram pelo rompimento da própria vida, ou por desespero, ou por cansaço, ou pela simples desistência de tentar. Conhecida por seus poemas e diários, mas também uma incrível escritora de prosa, aos 30 anos, Sylvia Plath colocou a cabeça dentro de um forno ligado e morreu intoxicada por monóxido de carbono, mesma causa da morte de Anne Sexton, escritora estadunidense e ganhadora do prêmio Pulitzer de poesia, que aos 45 anos trancou-se na garagem de sua casa com o carro ligado. Ernest Hemingway, escritor norte-americano, conhecido pelos romances Por Quem os Sinos Dobram e O Velho e o Mar, com o qual ganhou o Pulitzer, acabou com seus muitos problemas de saúde disparando um tiro de espingarda em si mesmo. Um dos mais conhecidos escritores portugueses, Camilo Castelo Branco também decidiu pelo próprio fim. Ao descobrir uma progressiva cegueira causada por sífilis, não suportou a ideia de não poder trabalhar e atirou contra a própria têmpora, morrendo aos 65 anos. Ainda em Portugal, a poeta Florbela Espanca, diagnosticada com edema pulmonar, ingeriu uma alta dose de barbitúricos e morreu aos 36 anos, no dia de seu aniversário. No Brasil, Pedro Nava, autor de Baú de Ossos e mais seis romances memorialistas, seguiu o fim de Castelo Branco e Hemingway, disparando um tiro contra a cabeça aos 80 anos, no Rio de Janeiro.

E quantos cometeram suicídio antes mesmo de derramar suas dores na literatura?

Coluna Autor sobre Autor, de Alex Sens

17 Comentários


  1. que fascínio exerce a morte. e que caminhada é para o artista que sofre.
    teve um tempo que olhava ao meu redor e tinha pilhas de vidas em papel,
    escritas por escritores que, já, por motivos diferenciados deram cabo de sua vidas.

    adorei o texto.


    1. Interessantíssima sua análise sobre as vidas no papel (fictícias, não mortas de todo) enquanto as outras, que as criaram, já se foram. O autor vai, seu resíduo criativo fica. Nossas estantes também são cemitérios de lembranças.

      Obrigado pelo comentário, Carmosita. Abraços!


  2. Totalmente certo: nossas bibliotecas são cemitérios de carnes e ossos, de ideias órfãs. Mas, por outro lado, um berçário de imaginações.

    É tabu, mas incrivelmente inusitado o pensamento de como alguém pode sobreviver pela sua arte.

    Lindo texto, querido.
    Como sempre.

    ;*


  3. A morte, e de formais mais destacada o suicídio, me fascina, me encanta. E deixo um trecho do livro Sargento Getulio de João Ubaldo Ribeiro, tratando justamente deste tema: ” Por isso e’ que e’ melhor, porque não tem sonhos, quando a gente solta a alma e tudo finda. Porque a vida e’ comprida demais e tem desastres. Quem aguenta a velhice que vai chegando, os espotismos e as ordens falsas, a dor de corno, as demoras em tudo, as coisas que não se entendem e ingratidão quando a gente não merece, se a gente mesmo pode se despachar, ate com uma faca? Quem aguenta e’ quem tem medo da morte, porque de lá nenhum viajante voltou e isso e’ que enfraquece a vontade de morrer. E ai a gente vai suportando as coisas ruins, só para não experimentar outras, que a gente não conhece ainda. E e’ pensando que a gentefica frouxo e a vontade de brigar se amarela quando se assunta nisso, e o que a gente resolveu fazer, quando a gente se lembra disso se desvia e acaba não fazendo nada”. Os escritores do texto não amarelaram, não desviaram e tiveram coragem de conhecer essa conhecida tão desconhecida nossa, chamada morte. (desculpem os erros de digitação, e’ que estou no iPad, e ele não me da liberdade para escrever no português). Abraços Alex.


  4. >>>vc esqeceu do sá-carneiro!!! o português matou-se do modo mais theatral e performático possível>>veneno+champagne+smoking+visita/testemunho ocular dum amigo>>>outro!!! japonês mishima>>karateca sensei musculoso poeta dramaturgo toma em mãos a kataná e invade com seus discípulos o qg do exército sol nascente e depois de espancar uma centena de soldados sobe no ponto mais alto e>harakiri(ou seja lá o nome q eles usem realmente);isso tudo pq? protexto contra a abertura dos portos e cultura japoneses ao ocidente…>>>SUICÍDIO COMO PERFORMANCE:só a visão da morte não pode ser ignorada:MORTE EM VIDA>>leminski(anseios crípticos2)tem um ótimo texto sobre o mishima>>>>f.f.


    1. Há mais suicídios literários do que supõem nossas palavras. É preciso um livro para contar a história de cada um. Obrigado pelos acréscimos. Abraços!


  5. as palavras ainda se movimentam, aqueles escritos que lançados ao vento representam as dores pictografadas sem lamentos, que revelam o mais estrodoso dos infortunios do espirito humano frente ao infinito, sede inefavel pela morte, pelo obscuro, a vontade imensa de fugir desta saga rude e cruel, consagraram as artes, os espolios ficaram a nos, todavia, os seres incriveis livraram-se da consciencia, da percepção, desse modo de viver, mas vivem pela insignia dos seus escritos, sao eles ainda energia vital, poeiras cosmicas. Lamento pelos que entraram no ostracismo e por aqueles que se quer pontuaram um legado.


    1. O suicídio é esse gole sobre a “sede inefável pela morte”, como você disse, Romário. Nosso lamento só reforça a energia deixada nos livros, a importância que damos à história da tristeza – cujos herdeiros somos nós, leitores de catarses.

      Um abraço!


  6. Olá, Alex!
    Nossa! Parabéns pela capacidade de síntese de um assunto tão extenso como o suicidio nas grandes expressões literárias. Também te dou os parabéns por não seguir uma linha moralista pois acredito que a dor e o desespero que leva uma pessoa ao suicidio não podem ser censuráveis ou alvo de críticas levianas. Acredito que muitas vezes a lucidez ou “estar à frente do seu tempo” e ser incompreendido é insuportável para muitos artistas, não somente escritores. O curioso é que esses autores nos cativam tanto pela sua obra como pela vida que tiveram – eu pelo menos não me conformo só em ler o que escreveram mas também o que se escreveu sobre eles.
    Obrigado pelo texto,
    abraço
    Raul Arriagada


    1. Raul, eu que sou grato pelas palavras. Também não acho certo julgar o suicídio num campo moralista, resultado de uma dor ou vazio, igualmente distantes da possibilidade desse tipo de julgamento. E também me interesso (e muito!) pela vida desses escritores. Mais textos sobre o tema pousarão por aqui em breve…

      Abraço!


  7. Belo texto, Alex! Sei que seu inventário não se pretendia exaustivo, porém gostaria de lembrar Ana Cristina Cesar, Ana C., consiserada expoente da poesia marginal na década de 70. Um abraço, Gabriel

    NADA, ESTA ESPUMA

    Por afrontamento do desejo
    insisto na maldade de escrever
    mas não sei se a deusa sobe à superfície
    ou apenas me castiga com seus uivos.
    Da amurada deste barco
    quero tanto os seios da sereia.


    1. Quando lembrei de Ana C., estava no começo do texto e não queria colocar escritores conhecidos por poesia, somente por sua prosa. Lá para o meio não resisti: Sylvia Plath entrou (ela também escreveu prosa), assim como Espanca. Com certeza eu reescreveria o texto incluindo esta outra grande poeta, mas oportunidades não vão faltar, Gabriel. O suicídio na arte é um tema que não dá livros, mas bibliotecas inteiras!

      Obrigado por acrescentar outra adorável suicida! 😉 E um abraço!


  8. hahaha como amante da psicanálise, devo concordar com a sua observação de que, realmente, o senhor tem uma visão romântica do suicídio.


    1. Sem romantismo, talvez o suicídio nem existisse. Penso que antes da fuga ou da dor, o suicida cria um laço de afeto com a morte, por isso a experimenta, afinal só nos entregamos àquilo que nos conquista, seja uma ideia ou um ato.


  9. Não sinto fascínio pelo suicídio, pelo contrário, fujo dessa ideia desde os meus doze anos quando comecei escrever… mas quando sofro, é quando me vem a inspiração, mas um limiar perigoso, sinto muito a proximidade dele, mas sempre venci graças à Deus, e sempre escrevi ao invés de ter cometido essa desordem emocional. Espero sempre me manter firme, e ainda escrever muito mais!

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